“Proibir aborto em caso de estupro é tortura”, diz 1ª corregedora do MP-SP

11 de novembro, 2018

A procuradora Tereza Cristina Maldonado Katurchi Exner foi eleita, na quarta-feira (7) para o cargo de corregedora do MP-SP (Ministério Público de São Paulo). É a primeira mulher a ocupar a posição, que existe desde 1955, e tem a função de fiscalizar as atividades dos colegas da instituição. Ela também foi a primeira a se tornar vice-corregedora, em 2014.

(Universa, 11/11/2018 – acesse no site de origem)

Formada pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP (Universidade de São Paulo), pianista e fã de música clássica, Exner é especialista na área criminal e tem artigos publicados sobre a legislação envolvendo mulheres, principalmente sobre aborto. Defende com veemência a manutenção da lei atual, que autoriza a interrupção da gravidez em casos de estupro, anencefalia do feto e risco à vida da mulher. “Reverter essa garantia deveria ser considerado crime de tortura”, opina. “Obrigar uma mulher estuprada a manter a gravidez é acabar com a vida dela.”

Ela se debruça sobre essa questão desde 2016, quando um projeto de emenda constitucional sobre licença-maternidade teve seu texto alterado na Câmara dos Deputados por membros da bancada evangélica, que acrescentaram um trecho que dizia que o Estado deve proteger a “dignidade da pessoa humana, desde a concepção”. Outro grupo de deputados enxergou na modificação uma manobra para proibir o direito ao aborto nos casos já legalizados. O projeto continua em tramitação na Câmara.

“Nosso código penal prevê a legalidade em caso de estupro desde 1940. Não é possível que, 78 anos depois, tenhamos um retrocesso desse tamanho.” Sobre o aborto de maneira ampla, diz que “nunca faria”, mas que “jamais se oporia” à legalização. “Essa ideia de que se liberar toda mulher vai fazer é uma agressão tremenda. Abortar é uma decisão das mais difíceis de serem tomadas”, diz ela, que afirma nunca ter passado pelo procedimento.

“Promotora. Sou eu”

A nova corregedora nasceu em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, para estudar em São Paulo. Depois de formada, entrou no Ministério Público em 1987, aos 23 anos, e tornou-se promotora de Justiça. No começo da carreira, um pedido a ela se repetia: “Quero falar com o promotor”. “E eu respondia: ‘Promotora. Sou eu’. Duvidavam de mim por ser mulher e jovem.”

Especialista na área criminal, atuou em vários casos envolvendo violência de gênero. De um em especial, com o qual lidou “há muitos anos”, se lembra até hoje, por causa de uma foto. “Era de uma menina, entre 8 e 10 anos, morta pelo ex-companheiro da mãe, depois de ter sido estuprada por ele”, diz. “Tive a impressão de que ainda havia lágrimas no rosto dela. Foi uma imagem que me impressionou muito e sempre volta à minha memória.”

Mulheres e a lei

Tereza Cristina avalia a Constituição de 1988 como um grande passo a favor dos direitos das mulheres ao assegurar a igualdade entre os gêneros, muito embora a garantia legal nem sempre seja aplicada na prática.

É o que ela aponta, por exemplo, acontecer nos casos de diferença salarial entre homem e mulher. A corregedora sugere que, para resolver a questão, a lei sobre licença-maternidade deva ser revista. “Existe o argumento de que mulher recebe menos porque engravida. Se fosse estabelecido um período de licença dividido igualmente entre o homem e a mulher, essa não seria mais uma questão.”

Ela acredita ainda que homens devem se engajar nas discussões sobre direitos femininos, para que “andemos lado a lado”. E diz adorar elogiá-los, principalmente o marido, com quem está casada há quase 30 anos e tem duas filhas, e o pai, que a incentivou desde cedo a estudar. “Ele também me deu muitos bons exemplos”, afirma Exner, “como quando saiu de uma associação comercial da qual fazia parte porque não aceitavam mulheres viúvas, por estarem sozinhas, e fundou outra, para que elas pudessem frequentar. Na minha vida, ele é uma grande referência.”

Camila Brandalise

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