Veja 8 dúvidas comuns (e as respostas) sobre violência contra a mulher

01 de junho, 2019

Como ajudar uma amiga? Transexuais e casais lésbicos são defendidos pela Lei Maria da Penha? Por que os agressores são soltos tão rápido?

(Metrópoles, 01/06/2019 – acesse no site de origem)

Até essa sexta-feira (31/05/2019), 6.587 casos de violência contra a mulher foram registrados no Distrito Federal – uma fração do número real. Segundo uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas duas de cada 10 vão à delegacia. No DF, 14 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2019. Apesar de o assunto ser recorrente, ainda restam muitas dúvidas sobre como ajudar uma pessoa que está passando por esta situação, por que ela acontece e como funciona a responsabilização dos agressores.

Com o projeto Elas por Elas, o Metrópoles se propõe a disseminar informações que sirvam para prevenir e combater a violência de gênero. Em parceria com a Secretaria de Educação, a equipe do portal também tem visitado escolas para conversar sobre o assunto com adolescentes. Nessas rodas de conversa, surgiram vários questionamentos e pedidos por informações. Aqui estão as respostas:

Minha vizinha sofre violência, como posso ajudar?

Normalmente, a mulher em situação de violência doméstica se sente isolada da família e dos amigos. Sem entender a relutância dela em sair do relacionamento, quem é próximo acaba se afastando, e a mulher fica ainda mais vulnerável e dependente do agressor. Uma boa forma de ajudar é oferecer abrigo, companhia para ir à delegacia ou auxílio financeiro para mudar de cidade, se for o caso.

“É muito importante não julgá-la. A mulher permanece em uma relação violenta por muitas razões: medo, vergonha, culpa, esperança de que o comportamento do parceiro mude, crenças religiosas, para manter a família unida e preservar os filhos, dependência econômica, psicológica ou isolamento social”, explica a juíza Fabriziane Zapata, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Riacho Fundo e uma das coordenadoras do Núcleo Judiciário da Mulher, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Ela conta que é preciso se mostrar disponível a ajudar, mesmo que a vítima tenha reatado o relacionamento violento.

Terceiros podem abrir ocorrência?

No caso de tentativa de feminicídio, lesão corporal, cárcere privado e tortura, terceiros podem registrar ocorrência, desde que tenham elementos mínimos para sustentar a existência dos crimes. No caso de ameaças, por exemplo, apenas a vítima pode procurar a polícia para dar início ao processo. É possível fazer denúncias anônimas pelo telefone 180: o Ministério Público será comunicado e poderá instaurar investigação para apurar o caso. 

A polícia é obrigada a investigar todos os casos?

Segundo a Divisão de Comunicação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), todos os casos devidamente noticiados são apurados. Em relação a denúncias anônimas, a veracidade da informação é confirmada para a instauração do inquérito policial. Quanto às demandas que chegam pelo 180, que pertence ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, caso o órgão perceba o crime, deve encaminhar a denúncia à PCDF para que a investigação seja iniciada.

Por que os agressores batem em mulheres?

De acordo com a professora de estudos de gênero da Universidade de Brasília (UnB) Valeska Zanello, a nossa sociedade machista cria homens que não sabem lidar com as próprias emoções e frustrações, só aprenderam a reagir usando a violência. “Assim se constrói a masculinidade, no negativo e no imperativo. Ser homem no Brasil é não ser uma mulherzinha. O pilar central é a misoginia”, afirma Valeska.

Nos relacionamentos abusivos, quando não são capazes de “controlar” as parceiras, eles recorrem à violência para se reafirmarem como homens, como senhores dessas relações. “Ele acha que está no seu direito, que não está fazendo nada de mais. Em atendimento psicológico a agressores, passamos pelo menos seis meses tentando convencê-los de que as agressões que cometeram são erradas”, conta a professora.

Existe um perfil de vítima?

“A mulher em situação de violência doméstica não tem um perfil, não é necessariamente a vítima típica, que chega machucada, fragilizada. Precisamos desconstruir essa imagem. Cada uma lida com a violência de forma diferente”, diz Mariana Távora, promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Boa parte dos feminicídios acontecem dentro de casa e, na maioria das vezes, são cometidos pelos cônjuges. 

Transexuais e casais lésbicos são contemplados pela Lei Maria da Penha?

A juíza Fabriziane explica que a Lei Maria da Penha se aplica a todo tipo de violência baseada no gênero cometida contra a mulher. “Em relação à vítima transexual, discute-se se a lei teria utilizado um critério biológico ou um critério sociopsicológico. Existem algumas decisões que negam a aplicação da Lei Maria da Penha à vítima transexual feminina. Mas, por outro lado, há decisões no país, inclusive aqui no Distrito Federal, determinando que a transexual feminina seja sim protegida pela lei Maria da Penha”, afirma. O Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica (Fonavid) tem o entendimento de que a lei se aplica, sim, à vítima transexual feminina.

Já no que diz respeito a casais lésbicos, se contra a parceira houver prática de violência que seja marcada pelo modelo patriarcal de submissão da mulher, a lei será aplicada, independentemente da orientação sexual dos envolvidos.

Por que os agressores saem tão rápido da cadeia?

Os delitos mais comuns praticados contra mulheres são ameaça, lesão corporal, vias de fato, perturbação da tranquilidade, injúria e difamação. As penas previstas no Código Penal e na Lei de Contravenções são muito baixas, de dias ou poucos meses. “E, de acordo com as regras previstas no Código Penal, para tais penas, não há possibilidade de cumprimento em regime fechado. Haverá prisão preventiva (prisão cautelar, antes da sentença condenatória) para os casos de descumprimento de medidas protetivas ou quando os fatores de risco apontarem para risco de violências graves ou letais”, explica a juíza. 

Sofri violência, o que fazer?

Há várias opções:

  • seguir para a delegacia mais próxima ou à Delegacia Especial de Apoio à Mulher (Deam, na 204/205 Sul), para registrar uma ocorrência;
  • telefonar para o número 190 (para chamar a Polícia Militar) ou 180 (Central de Atendimento à Mulher), para receber orientações sobre os próximos passos;
  • procurar um dos Centros Especializados de Atendimento à Mulher (Ceam), onde a mulher será atendida por uma equipe psicossocial que a orientará nos próximos passos.

Em 2019, o Metrópoles inicia um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.

O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país.

Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.

Juliana Contaifer

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