(Folha de S.Paulo, 17/03/2016) Não é apenas o vírus da zika que pode causar problemas aos bebês. Estudos feitos em vários países, inclusive no Brasil, têm mostrado que a dengue e a chikungunya também trazem riscos aos fetos e aos recém-nascidos.
A preocupação aumenta porque, pela primeira vez na história, o país convive com epidemias causadas pelos três vírus transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti. Uma gestante que contrai dengue na gravidez, por exemplo, tem 3,5 vezes mais chances de sofrer um aborto e quase duas vezes (1,7) mais risco de o bebê nascer prematuro.
Os dados são de uma revisão sistemática recém-publicada na revista científica “Lancet”. O trabalho analisou 16 estudos (dos quais dois são brasileiros), que incluíram 6.071 gestantes de dez países– dessas, 292 tiveram dengue na gravidez. Em relação ao vírus da chikungunya, a Folha localizou na Medline (base de dados médicos) ao menos 18 estudos que tratam das implicações da infecção nos bebês.
Seis deles se referem a relatos de casos de mães que foram infectadas pelo vírus dias antes do parto (quatro dias, em média) e que transmitiram a infecção a seus bebês. O contágio, que chega a taxas de 85%, não ocorre no útero, mas durante o parto (natural ou por cesariana).
Entre os problemas apresentados pelos recém-nascidos estão dificuldade respiratória, hemorragias cerebrais, meningoencefalite (processo inflamatório que envolve o cérebro e as meninges) e paralisia cerebral. Também há relatos de mortes.
No Brasil, ao menos dois casos de transmissão de mãe para filho do chikungunya foram relatados em estudo de pesquisadores da UFBA (Universidade Federal da Bahia). O trabalho aguarda publicação em revista científica. As mães tiveram sintomas de chikungunya dois dias antes dos partos, que ocorreram em setembro e outubro de 2015 em Salvador (BA).
Segundo a médica Lícia Moreira, professora de pediatria na UFBA e co-autora do estudo, os bebês (um casal) nasceram bem, mas depois evoluíram para hemorragia e dificuldade de respirar. “Um deles teve hemorragia intracraniana e digestiva, endocardite e precisou de válvula cardíaca. Ficou 37 dias na UTI. O segundo ficou 17 dias internado, 14 na UTI.” Ambos sobreviveram.
A questão é que as evidências sobre o impacto dessas infecções na gestação são muito recentes e elas podem passar despercebidas. Sobre a dengue, o infectologista Esper Kallas, professor da USP, conta que recentemente atendeu uma paciente que, no terceiro trimestre de gestação, apresentou todos os sintomas de zika, como manchas vermelhas.
O exame, porém, mostrou que ela tinha dengue. Após alguns dias, o bebê morreu. “Ainda não está no radar do médico se preocupar com os efeitos da dengue na gravidez. Precisamos dar mais atenção a isso”, diz Kallas.
Para o infectologista Celso Granato, professor da Universidade Federal de São Paulo, o estudo do “Lancet” levanta a questão se mulheres que estão planejando engravidar deveriam ser vacinadas contra dengue.
Outra preocupação, segundo ele, é com as gestantes que estão convivendo com as duas ou três viroses (dengue, zika e chikungunya) ao mesmo tempo. “Será que pode haver interação entre os vírus? Será que há alguma relação disso com as más-formações fetais?”, questiona.
Cláudia Collocci
Acesse no site de origem: Dengue e chikungunya podem causar aborto e parto prematuro, diz estudo (Folha de S.Paulo, 17/03/2016)