(Marina Pita/Agência Patrícia Galvão, 31/03/2016) Proposta de garantia de interrupção visa proteger mulheres de tortura psicológica diante de cenário de incertezas e falta de respostas do Estado
A Anis – Instituto de Bioética está preparando o que vem chamando de “plano de litígio estratégico” com o intuito de garantir o direito das mulheres diante da situação de emergência provocada pela epidemia de zika e mal formações fetais resultantes da ação do vírus. O plano consiste na elaboração de uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) – a ser apresentada por entidade parceira à Anis – ao Supremo Tribunal Federal (STF), em aproximadamente um mês. O ponto da ação que tem gerado maior polêmica é sobre o direito à interrupção da gestação em caso de infecção por zika.
“Acreditamos que a decisão [de manter uma gestação] é da mulher e de foro íntimo. Uma questão de autonomia”, explica a advogada da Anis, Sinara Gumieri. A maior barreira que a Anis vem encontrando no debate público em relação a sua proposta de interrupção da gestação no caso de infecção por zika é a alegação de que o direito de escolha afeta os direitos das pessoas com deficiência. Um questionamento ao qual a advogada responde calmamente e inúmeras vezes: “não defendemos o direito à interrupção diante de diagnóstico fetal, mas diante da situação de extrema tortura psicológica a que estão submetidas as mulheres neste momento.”
Segundo ela, a condição a que estão submetidas as mulheres brasileiras neste momento é de tamanha violência – ainda mais considerando que o Estado falhou em controlar o vetor nos últimos dez anos – que há um paralelo com uma das poucas situações em que a legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez: em casos de estupro. “São mulheres vivendo em estado de profundo sofrimento psicológico. Elas estão grávidas e não sabem em que momento o crânio pode começar a diminuir. Não sabem se haverá impacto e qual a extensão sobre a sua saúde e do feto. Não sabem qual tratamento estará disponível. E estão distantes de atendimento de saúde e assistência. ”
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Sinara Gumieri lembra que, no Brasil, o acesso à informação e a métodos contraceptivos e não são garantidos pelo Estado, apesar de entre suas obrigações. Além disso, a emergência de saúde pública pela síndrome congênita do zika adiciona um componente de desigualdade socioeconômica e racial – as mais afetadas são as pobres e negras – e agrava ainda mais a crise de garantia de direitos sexuais e reprodutivos no Brasil.
Acesso à informação e assistência
O plano de litígio estratégico da Anis – Instituto de Bioética inclui também um pedido de garantia de acesso à informação e ao exame. “A melhor informação científica disponível no momento deve estar acessível às mulheres. E, o componente central é o acesso ao exame”, explica Sinara Gumieri.
Além disso, considerando que boa parte das mulheres poderá escolher seguir com a gestação após uma infecção por zika vírus, o que pode levar ao nascimento de bebês com a síndrome do zika congênita, o plano de litígio estratégico exige também a garantia de acesso universal ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Atualmente, apenas famílias de pessoas com deficiência cuja renda é inferior a um quarto de salário mínimo têm acesso ao BPC, um recorte baixíssimo. “Se uma mulher tem um filho com a síndrome do zika congênita e seu companheiro recebe um salario mínimo, já está excluída da proteção social”, afirma a advogada da Anis.
Sinara Gumieri falou no Simpósio sobre os Direitos da Mulher, organizado pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).