“Graças a Deus, nos livramos dessa. Uma desgraça a menos”, comentou uma senhora na fila de uma padaria em Pinheiros (zona oeste de São Paulo), ao ouvir na semana passada a notícia sobre o fim da situação de emergência pública nacional para o vírus da zika, anunciado pelo Ministério da Saúde.
(Folha de S.Paulo, 16/05/2017 – Acesse o site de origem)
Para o público em geral, essa é a mensagem que ficou: podemos respirar aliviados, adeus às tristes cenas de bebês com microcefalia ou pessoas paralisadas pela síndrome de Guillan-Barré, ambas associadas à infecção pelo vírus da zika.
Ledo engano. Duas coisas precisam ficar muito claras nesse momento: o fim da emergência é só uma decisão técnica porque a epidemia não é mais um “fato incomum ou inesperado”. E a queda de 95% dos casos de zika se deve, especialmente, à sazonalidade dessa arbovirose, como bem lembrou o médico Carlos Brito, professor de medicina da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão dos vírus da zika, dengue e chikungunya/Lalo de Almeida/Folhapress
É aquele ciclo natural de aumento e redução que a gente já cansou de ver com a dengue: vem uma epidemia e depois passa um, dois anos sem ter outra. Neste ano, a diminuição das chuvas no país, em relação ao ano passado, também ajudou. Com menos acúmulo de água, o mosquito perdeu espaço para se reproduzir.
A queda nos registros de microcefalia tampouco são animadores. Neste ano, são 230 crianças sequeladas (menos de 10% do total de casos confirmados desde o início da epidemia, no final de 2015). Enquanto o país tiver um caso novo que seja de microcefalia evitável, não é possível comemorar nada.
Também não custa lembrar que novos surtos de zika podem atingir o Nordeste e outras regiões do país nos próximos anos.
As projeções iniciais eram de que, ao entrar em contato com uma população ainda não exposta, o vírus da zika tinha a capacidade de atacar cerca de 80% das pessoas. Ou seja, a maior parte da população estaria imunizada contra um segundo ataque.
Mas uma revisão dos dados da epidemia na Polinésia Francesa revelou que, na verdade, o vírus ataca cerca de metade de uma população no primeiro contato. Ou seja, temos 50% das populações dos Estados atingidos pelo zika desprotegidas e muito mais nos outros locais não afetados.
Como o Brasil ainda não tem estimativas da soroprevalência do vírus em cada Estado, não é possível saber quantas pessoas foram infectadas no primeiro surto em cada local.
Também não há certeza de as pessoas que já foram infectadas estão realmente imunes. É o que geralmente acontece com as outras arboviroses, mas não sabemos ao certo se é o caso do zika. E se ele tiver subtipos, como a dengue, ainda não descobertos?
A situação do chikungunya também preocupa. Embora o último balanço do Ministério da Saúde aponte redução de 68% dos casos até abril (em relação ao mesmo período do ano passado), há registros de surtos e mortes no Ceará e em Minas Gerais.
Então, minha senhora, não nos livramos de nada ainda não. Enquanto o mosquito Aedes aegypti continuar disseminado no país, por falhas nas medidas preventivas dos governos e da população, a ameaça do zika e das outras arboviroses continua bem real e mais forte do que nunca.