(Débora Prado/ Agência Patrícia Galvão, 21/10/2013) Empossada em abril deste ano no Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Rita de Cássia Freire Rosa é jornalista, tem pós-graduação em política internacional, atua em movimentos sociais feministas, e gerencia a Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada (iniciativa colaborativa de mídias e articulistas independentes).
Em entrevista, ela avalia os principais resultados da Pesquisa Representações das mulheres nas propagandas na TV. O levantamento divulgado em setembro pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão revelou que 56% dos entrevistados, homens e mulheres, consideram que as propagandas na TV não mostram as brasileiras reais. Mostrou ainda o conflito entre o que os espectadores veem e o que gostariam de ver nas publicidades exibidas na televisão: 80% consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres brancas; e 51% gostariam de ver mais mulheres negras, por exemplo.
Para Rita, os resultados da pesquisa – que será a base para um concurso de vídeos de um minuto promovido pelo Instituto Patrícia Galvão – mostram uma mudança na relação entre a mídia e sua audiência: “De uns tempos para cá, a mídia tenta induzir comportamentos, e a população de alguma forma está se tornando mais crítica e reagindo de uma forma que não é esperada”, avalia.
Confira a entrevista.
Quais são, na sua opinião, os principais achados da pesquisa?
O dado mais me chama atenção está relacionado com a mulher negra.
Essa pesquisa vem num momento em que nós estamos muito sedentos de informação que tenha outro crivo, mais qualitativa, menos quantitativa.
Nessa semana tivemos a divulgação de um estudo do Ipea sobre a morte de mulheres no Brasil que aponta que as mulheres negras continuam sendo as grandes vítimas. Quando eu vejo que a publicidade se recusa a mostrar a mulher negra na televisão, como um padrão de status de sucesso, quando a publicidade nega a visibilidade, nega essa existência, ela também produz um efeito na sociedade de dar menos valor à vida da mulher negra, cria uma hierarquização.
Existe um discurso de que a publicidade procura agradar a população, mas a pesquisa mostra que isso não é bem verdade. Ela pode até procurar o desejo de consumo, mas o papel da publicidade não é identificar desejos de consumo, é induzir ao consumo de produtos que estão disputando o desejo da população, então é uma intervenção muito violenta nas necessidades da sociedade. E que não está a serviço dessa população, está a serviço de um negócio.
Não só pode, como é o caminho mais fácil é reforçar preconceitos e estereótipos. É semelhante ao que acontece no humor, e isso é mais fácil quando se usa estereótipos e preconceitos contra pessoas que não possuem os mesmos meios para se defender, que não estão ali para se contrapor. Ela procura uma reação imediata. E a publicidade que quer uma reação imediata ou reforçar um padrão, uma coisa que está arraigada, também não usa a criatividade e a inteligência, não dialoga com a população, mas também recorre àquilo que já está pronto, já está dado – ela se apropria de uma fragilidade de nossa sociedade.
A pesquisa revelou que a maioria não vê as mulheres da vida real nas propagandas na TV. Há aí uma crítica da população a essa publicidade que se apropria do que já está pronto?
Com certeza, hoje em dia, estamos percebendo na população comportamentos diferentes dos que durante muito tempo foram determinados pela mídia – não só o jornal ou a telenovela, mas a publicidade também. De uns tempos para cá, a mídia tenta induzir comportamentos e a população de alguma forma está se tornando mais crítica e reagindo de uma forma que não é esperada.
Nós percebemos isso quando estamos diante de uma decisão nacional muito importante que você vê toda mídia numa mesma direção e depois a população se manifesta de uma outra forma.
Essa visão crítica do que é a publicidade, que ela manipula, que ela pode ser diferente, que o meio que ela usa – no caso a televisão – deixa de ser um mistério, uma coisa impositiva, porque hoje você tem mais contato com a produção audiovisual e tem condições para perceber que por trás daquela mensagem tem alguém que escolheu aquela mensagem e não outra. Então, a pesquisa é um elemento para mostrar isso que está acontecendo.
Hoje a mulher brasileira está lutando, é provedora, trabalhadora, chefe de família. E a publicidade confere status a uma mulher que não luta, ou seja, tenta diminuir mesmo essa mulher – então uma parte das brasileiras ela não mostra, e entre aquelas que ela mostra vem negar uma condição de luta da mulher brasileira. Então, acho que isso também contribui para essa visão.
Como você avalia que os resultados da pesquisa podem contribuir para o debate sobre a necessidade de uma mídia democrática, que respeite a diversidade da população brasileira?
Uma associação direta que a gente tem aí é que a publicidade também é programação de televisão. Nós estamos discutindo muito a qualidade do conteúdo da televisão e a publicidade não é uma coisa à parte, em algumas situações ela tem mais peso até que a programação.
E atualmente o mundo da publicidade tenta vender a ideia da autorregulação através do CONAR. Acontece que a autorregulação não é por natureza democrática, porque ela se baseia em leis de mercado, e essa “mão invisível” do marcado que a publicidade tenta obedecer é autoritária, branca, machista.
Se você não der voz à população através de instrumentos que permitam uma participação mais democrática, essa autorregulação não vai responder.
Esse é um ponto a ser questionado a partir da pesquisa: a autorregulação não está funcionando para que as pessoas se sintam representadas na publicidade.
E o que seria possível e necessário fazer para mudar essa realidade sem incorrer em medidas que possam ser tachadas como censura, que é sempre o argumento utilizado para barrar a regulamentação?
Primeiro, não pode ser uma regulamentação do próprio mercado, tem que ter a participação da sociedade e tem que ter instrumentos criados para que a sociedade se defenda da publicidade.
Então, acho que um mecanismo de controle da publicidade precisa ter a sociedade representada e o Estado não tem que censurar, muito menos fazer um papel de cercear a criatividade. Mas o Estado tem que dar mecanismos de defesa à população para quando ela não se sente respeitada, e isso hoje não existe. Como toda comunicação, a publicidade está baseada em códigos e leis retrógrados, é preciso atualizar.
É a mesma coisa quando se fala em controle social da mídia – a grande imprensa chama de censura, mas o que se quer é a mesma coisa: que a sociedade tenha meios de debater, de se defender, que construa critérios para ter uma concessão pública e que o Estado dote a sociedade desses instrumentos.
Como a relação entre o anunciante e as empresas de mídia incide nesse debate sobre a regulamentação da publicidade?
A grande mídia absorve todos os recursos da publicidade, tanto a de Estado quanto a do mercado. A mídia tem um poder sobre a opinião pública, com o qual ela continua submetendo o poder público e atraindo as empresas.
O anunciante por sua vez tem um certo controle sobre a programação da televisão, porque se a programação não estiver do seu agrado ele pode cortar a publicidade. Então, essa relação acaba tornando a comunicação muito distante da sociedade como um todo, e mais fechada numa relação de negócios. E isso, numa sociedade democrática, deve ser inadmissível.
Como a mídia pública pode incidir, contribuir neste debate? A TV pública, por não depender de anunciantes e da publicidade, deveria ser um espaço privilegiado de debate sobre a publicidade no país e sobre esse modelo único de mulher, distante da realidade?
A TV pública está fazendo esse debate da representação da população brasileira na dramaturgia, esse é um debate que vai acontecer agora no Rio de Janeiro sobre os conteúdos da EBC, e é um debate aberto, para ouvir a sociedade e discutir se está no caminho não. Vai-se discutir com produtores, produtoras, atrizes, representantes de movimentos, dialogando com o conselho, fazendo a crítica do que vem sendo feito. A EBC vai prestar contas e, ao final do processo, haverá uma reunião do conselho.
A EBC tem um conselho constituído por representações da sociedade civil, eu fui indicada pelos movimentos feminista e da comunicação, assim como outros foram indicados por outros setores para realizar este tipo de debate. E este não é um debate restrito ao conselho, é aberto, assim como foi feito o debate sobre o jornalismo.
Esse é um processo que a mídia privada não se permite. Ela pode até abrir um determinado debate, mas jamais o público vai deliberar sobre como ela deve se conduzidr dali pra frente. E no caso da mídia pública esse é um conselho deliberativo.
Esse é um processo e um exercício muito importante que pode ser uma referência para um futuro conselho nacional de comunicação, que dialogue com todas as mídias, com a publicidade também, com os conteúdos que são veiculados por mídias que estão apoiadas em concessões públicas, como os canais de televisão que são hoje os principais veículos da publicidade.