A epidemia da solidão feminina e o antídoto presente nas comunidades, por Júlia Vergueiro

23 de outubro, 2025 Portal Catarinas Por Júlia Vergueiro

Esporte coletivo e outras atividades em grupo se tornam um antídoto contra a solidão feminina.

Há dias em que a solidão parece uma sombra invisível, e não é só pela ausência de pessoas, mas também pela ausência de pertencimento, de voz e de cuidado. Para muitas mulheres, esse sentimento atravessa rotinas, expectativas e escolhas, ainda que raramente seja nomeado. Como alguém que acompanha de perto a vida de tantas mulheres, percebo que a solidão feminina não é apenas um estado emocional, mas sim um fenômeno cultural, social e, inclusive, de saúde pública.

A solidão feminina é construída socialmente. Desde cedo, a sociedade coloca sobre as mulheres a responsabilidade pelo cuidado com os outros e pelo gerenciamento dos espaços da família.

“Os ambientes domésticos são vivos porque são a casa das pessoas, mas possuem um fluxo limitado de convívio. Além disso, a construção social atribuiu às mulheres o cargo de cuidadoras, responsáveis por filhos e familiares”, explica Maíra Liguori, presidente da ONG Think Olga.

Esse papel invisível gera um isolamento sutil, pois mesmo cercadas por familiares, muitas não conseguem abrir espaço para cultivar relações, como amizades que façam sentido para elas, ou para dedicarem tempo ao lazer e ao autocuidado.

As raízes da solidão feminina
Além da sobrecarga doméstica, outro pilar da solidão feminina está na dificuldade de conexão criada pelas pressões sociais constantes.

“As mulheres têm centenas de dedos apontados para elas, dizendo como deveriam se comportar, se vestir ou o que deveriam comer. Isso as coloca em posições de altíssima exigência de comportamento e performance, tornando impossível se conectar verdadeiramente com outras pessoas”, observa Maíra.

Embora as amizades femininas tendam a ser profundas e significativas, a realidade do dia a dia, marcada por julgamentos, cobranças e falta de tempo, dificulta que esses laços se mantenham.

A logística também entra como barreira. Se não há com quem deixar os filhos, se não existe uma rede de apoio, simplesmente não há como sair de casa para encontrar uma amiga ou receber alguém. Todos esses fatores — culturais, sociais e práticos — acabam nos isolando ainda mais.

Segundo o Estudo Global das Conexões Sociais (2024), 14% das brasileiras afirmam viver uma solidão constante. O dado chama atenção porque, mesmo acompanhadas, muitas ainda se sentem desconectadas do mundo à sua volta, como uma sensação ligada à falta de validação.

“Quando a mulher não se enxerga nesses ambientes familiares, sociais ou profissionais, ou como alguém que também merece cuidados e atenção, a solidão se amplifica”, aponta a presidente da Think Olga.

A solidão e a saúde das mulheres
O impacto da solidão afeta diretamente a saúde física e mental. Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Sidney, publicada no British Medical Journal, mostrou que a solidão aumenta o risco de morte independentemente da saúde física e mental da pessoa. Quanto mais persistente o isolamento, maior o perigo, especialmente para mulheres de meia-idade.

Me assustei ao descobrir recentemente que, em 2025, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a solidão uma epidemia global, e que no Brasil, diferentemente de outros países, as mulheres são mais solitárias do que os homens. Esse dado alarmante instigou a agência 65|10 a criar o “Guia para Socializar” em parceria com o veículo jornalístico Mulheres e a Cidade, que contém orientações práticas de como atravessar o medo e a desconfiança para se aproximar de outras pessoas e encontrar uma comunidade para chamar de sua.

É justamente nesse ponto que o esporte coletivo e outras atividades em grupo se tornam um antídoto. “Estamos falando de uma conexão com pessoas. No esporte, há um fator hormonal extra, que aumenta a sensação de prazer e bem-estar, mas atividades coletivas de interesse comum, como caminhadas, bordados ou outras oficinas, cumprem um papel terapêutico importante”, destaca Maíra.

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