(El País, 04/11/2015) Coletivos feministas dentro de escolas e marchas de mulheres a favor da legalização do aborto são as novas nuances de um feminismo que nunca deixou de existir. Para Pablo Ortellado, filósofo da USP, o movimento feminista moderno se parece com aquele dos anos 70, mas não é uma repetição daquela época. “A onda de feminismo dos anos 70 deixou muitos efeitos institucionais, como a lei Maria da Penha, mas as mudanças de comportamento para além da inclusão da mulher no mercado de trabalho não foram muito grandes”, afirma. Por isso, o movimento de hoje “não é repetição. Acho que tem avanço, senão teórico, pelo menos na ênfase nestas questões mais práticas do cotidiano: nas cantadas, no assédio, nos estupros e na visibilidade”.
Há algumas décadas, as mulheres estavam brigando para ingressar no mercado de trabalho. Hoje, a luta é por salários iguais e as mesmas chances de ocupar cargos de chefia e altas posições. No Brasil, homens ainda recebem cerca de 30% a mais que as mulheres na mesma idade e nível de instrução, um dos maiores níveis de disparidade salarial do mundo, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento. A média de diferença na América Latina é de 17%.
Para que as mulheres possam trabalhar e competir em pé de igualdade com os homens, é necessário que existam creches suficientes e de boa qualidade. Essa é outra reivindicação em pauta. Na imensa maioria das famílias, se alguém precisar sacrificar o trabalho para cuidar dos filhos, esse alguém será a mãe, e não o pai.
Outro ponto da agenda feminista moderna é o direito ao próprio corpo. “Meu corpo, minhas regras”, dizem alguns dos cartazes nas manifestações feministas. E isso inclui também a legalização do aborto. “Não pedimos a descriminalização do aborto, pois isso é pouco”, diz Jaqueline Vasconcellos, uma das organizadoras da marcha das mulheres na última sexta-feira em São Paulo. “Queremos que o aborto se torne legal”, e que o Estado forneça as condições necessárias para praticá-lo.
Também significa que ninguém tem direito a praticar qualquer ato com a mulher sem que ele seja consensual. O estupro é a máxima, mas passar a mão pelo corpo da mulher, pelos cabelos, dizer algo, olhar, gritar, assoviar, agarrar, puxar, apertar, falar com ela sem consentimento, tudo isso entra na regra acima. Isso incluiu encostar e encoxar no transporte público, na rua, no trabalho e na escola, inclui assédio no trabalho – de chefe com subordinada – e entre amigos. Inclui absolutamente tudo que fizer com que a mulher se sinta constrangida, embaraçada, envergonhada ou com raiva.
Acompanhante na sala de parto é outro direito adquirido que nem todas as mulheres têm acesso. “Ainda tem muito hospital que não deixa o acompanhante entrar na sala de parto com a mulher”, diz Marisa Sanematsu, do Instituto Patrícia Galvão.
Na política, a bancada feminista luta para que exista cota para mulheres na Câmara. Hoje, das 513 cadeiras, apenas 51 são ocupadas por mulheres. As cotas estavam previstas em uma emenda da reforma política, mas não foi aprovada.
Mas não é só na política que as mulheres são minoria. Na literatura, no esporte, na ciência, no cinema e em outros segmentos também. Já nos comerciais, as mulheres aparecem em grande quantidade, proporcionalmente inversa à quantidade de roupa que usam. Acabar com a exploração da imagem da mulher como objeto também faz parte da luta. “A violência sutil na publicidade, nas novelas, nos estereótipos, isso também merece mais atenção da gente”, diz Marisa Sanematsu.
Acesse no site de origem: A fatura da luta feminista que ainda está em aberto (El País, 04/11/2015)