(História Hoje, 19/05/2016) A Igreja precisava regulamentar, controlar desde o namoro às relações conjugais. Gestos miúdos de afeto, como o beijo, eram controlados por sua “deleitação natural e sensitiva”, sendo considerado “pecado grave porque é tão indecente e perigoso”. Além de evitar beijos, – os temidos “ósculos” -, devia-se estar em guarda contra as sutilezas das menores expressões de interesse sexual que não conduzissem ao que era chamado de “coito ordenado para a geração”. Dentro destas relações, quase não havia espaço para o amor erotizado e as mulheres se entregavam aos maridos por amor a Deus.
Tudo indica que ao final do século XVIII, alguns casais já tivessem incorporado as ideias da Igreja. E sobre o assunto, não foram poucos os depoimentos. Em 1731, por exemplo, certa Inácia Maria Botelho, paulista, parecia sensível ao discurso da Igreja sobre a importância da castidade, pois se negava a pagar o débito conjugal ao marido. Alegando ter feito votos quando morava com sua mãe e inspirada do exemplo das freiras recolhidas em Santa Teresa, se viu estimulada por esta virtude. Sobre o seu dever conjugal, contava o marido, Antônio Francisco de Oliveira ao juiz eclesiástico que na primeira noite em que se acharam na cama, lhe rogara a esposa que “a deixasse casta daquela execução por uns dias”, pois tinha feito votos de castidade.
Casos de desajustes conjugais devido à pouca idade da esposa não foram raros e revelam os riscos por que passavam as mulheres que concebiam ainda adolescentes. Há casos de meninas que, casadas aos 12 anos, manifestavam repugnância em consumar o matrimônio. Num deles, o marido, em respeito às lágrimas e queixumes, resolvera deixar passar o tempo para não violentá-la. Escolástica Garcia, outra jovem casada aos nove anos, declarava em seu processo de divórcio que nunca houvera “cópula ou ajuntamento algum” entre ela e seu marido, pelos maus-tratos e sevícias com que sempre tivera que conviver. E esclarecia ao juiz episcopal que “ela, autora do processo de divórcio em questão, casou contra sua vontade, e só por temor de seus parentes”. Confessou também que, sendo tão “tenra […] não estava em tempo de casar e ter coabitação com varão por ser de muito menor idade”.
Os casos de casamentos contraídos por interesse, ou na infância, somados a outros em que idiossincrasias da mulher ou do marido revelam o mau estado do matrimônio, comprovam que as relações sexuais dentro do sacramento eram breves, desprovidas de calor ou refinamento. Cada vez mais se evidencia o elo entre sexualidade conjugal e mecanismos puros e simples de reprodução. Maria Jacinta Vieira, por exemplo, bem ilustra a valorização da sexualidade sem desejo. Ela se recusava a copular com seu marido “como animal”. Bem longe já se estava dos excessos eróticos cometidos quando das primeiras visitas do Santo Ofício à Colônia. Na Bahia do século XVI, Inês Posadas não parecia então muito preocupada em ter sido denunciada pelo fato de seu amante, durante o coito, retirar o membro de sua vagina para sujar-lhe a boca. O comportamento de Maria Jacinta ilustrava um consenso do Antigo Regime, verbalizado por Montaigne. A esposa devia ignorar as febres perversas do jogo erótico.
E como funcionava o matrimônio? Os casados desenvolviam, de maneira geral, tarefas específicas. Cada qual tinha um papel a desempenhar frente ao outro. Os maridos deviam se mostrar dominadores, voluntariosos no exercício da vontade patriarcal, insensíveis e egoístas. As mulheres por sua vez, apresentavam-se como fiéis, submissas, recolhidas. Sua tarefa mais importante era a procriação. É provável que os homens tratassem suas mulheres como máquinas de fazer filhos, submetidas às relações sexuais mecânicas e despidas de expressões de afeto. Basta pensar na facilidade com que eram infectadas por doenças venéreas, nos múltiplos partos, na vida arriscada de reprodutoras. A obediência da esposa era lei.
Acesse no site de origem: Casamento e virgindade no Brasil Colônia, por Mary Del Priore (História Hoje, 19/05/2016)