Dos bastidores para o protagonismo, Dani Monteiro, Mônica Francisco e Renata Souza, do PSOL, as três ex-assessoras da vereadora assassinada Marielle Franco –“crias” das comunidades do São Carlos, Borel e Maré e eleitas deputadas estaduais no Rio de Janeiro– prometem atuar na defesa de políticas públicas voltadas às favelas, sem se restringirem à área de segurança.
(UOL, 28/11/2018 – acesse no site de origem)
No plano registrado na Justiça Eleitoral pelo governador eleito Wilson Witzel (PSC), a palavra “favela” aparece quatro vezes, e “comunidade”, cinco –um terço dessas referências é sobre segurança pública, especialmente para facilitar operações policiais.
Entre fevereiro (quando começou a intervenção federal no Rio de Janeiro) e outubro, foram registradas no estado 1.151 mortes decorrentes de ações policiais, registradas em grande parte em favelas e áreas pobres da região metropolitana. Segundo o ISP (Instituto de Segurança Pública), o mês de outubro registrou um aumento de 30% em relação ao mesmo período do ano passado, com 127 óbitos.
As deputadas eleitas disseram em entrevista ao UOL que se preocupam com as consequências da proposta de Witzel de “abater” criminosos com fuzis, mesmo sem
estarem trocando tiros com a polícia, e pretendem se posicionar na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) contra a presença massiva de policiais na rotina das periferias, o que chamam de “militarização da vida”.
O assassinato de Marielle projetou o PSOL nas eleições, mas o incentivo às candidaturas femininas veio de seu trabalho em vida. No ano passado, vereadora organizou um congresso para pensar candidatas, especialmente negras.
“A Marielle sempre disse que da Benedita [Silva, eleita vereadora em 1982] até a Jurema [Batista, eleita vereadora em 1992] havia tido dez anos de gap. Da Jurema até Marielle, mais anos. Não poderia ter mais um gap com ela. Ela queria que as mulheres negras ocupassem esse espaço na política”, contou Renata.
Se a pauta conjunta das psolistas passa pela defesa dos direitos humanos, negritude e gênero, suas histórias de vida as levam a diferentes prioridades, ainda que complementares.
As três ainda estão formulando projetos de lei, mas já têm diretrizes: Dani quer focar em juventude e universidades; Mônica, em economia criativa e formação cidadã, enquanto Renata pensa em programas contra mortes de jovens negros e mulheres.
Educação contra feminicídios e escola para políticos
A relação entre Marielle e Renata, que era a chefe de gabinete da vereadora, surgiu no cursinho pré-vestibular na Maré e na assessoria do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). Para este ano, o plano de Renata era coordenar a campanha de Mari –como a chama carinhosamente– como vice-governadora na chapa de Tarcísio Motta (PSOL). O assassinato interrompeu o projeto e provocou o lançamento da candidatura não programada.
Primeira da família a entrar na faculdade, Renata Souza, 36, é formada em jornalismo e hoje faz pós-doutorado. Estudiosa de como a militarização da segurança pública afeta a periferia carioca, Renata quer apresentar um projeto para reduzir homicídios, especialmente de jovens negros.
Para evitar a violência policial, a deputada eleita defende que o debate passe por duas pontas –a das condições de trabalho do profissional de segurança pública e das oportunidades para o jovem que vive na periferia.
Precisamos melhorar o salário do policial, podemos mexer no RAS [Regime Adicional de Serviço, espécie de hora extra] para que ele evite que se exponha a perigos, a gente sabe que esse policial
é morto muitas vezes não no serviço, mas no segundo turno [trabalhos de segurança fora do expediente].
Renata Souza, deputada estadual eleita pelo PSOL
“Ao mesmo tempo, precisamos ter políticas estruturantes para que a juventude que está morrendo tenha perspectiva de futuro, políticas de emprego e renda”, complementa ela.
Outra prioridade do mandato de Renata é um projeto com foco na educação para diminuir os feminicídios –debates em escolas sobre respeito à mulher é uma das atividades cogitadas.
A formação surge também nas pautas de Mônica Francisco, 48, com a criação de uma escola voltada a quem deseja atuar na política. Esse será seu primeiro projeto de lei.
Com longa trajetória de militância, da formação de grupos de geração de renda à criação de rádios comunitárias, além do trabalho como pesquisadora do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), projeto do sociólogo Betinho, Mônica sabe da importância da formação para a cidadania.
Outras duas propostas que deve levar à Alerj vem da experiência como pastora
evangélica e do trabalho junto à área de economia solidária.
“Pensar também a questão da economia solidária e criativa como alternativa nesse momento de crise fiscal e econômica. E a pauta da negritude, o combate ao racismo religioso”, apontou à reportagem, elencando ainda o combate à violência obstétrica, como uma das prioridades.
Projeto de Marielle, a Câmara do Rio aprovou a expansão da rede de casas de parto, voltadas ao parto natural, no município. Segundo Mônica, a ideia é implantar o programa em nível estadual, dando a gestantes locais de atendimento humanizado na rede pública.
A mais nova das deputadas é Dani Monteiro, 27, estudante de Ciências Sociais da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), que elegeu políticas de permanência no ensino superior como uma pauta após vivenciar o problema.
A falta de bolsas, passe livre, uma estrutura de assistência, o dividir com a necessidade de trabalhar, tudo isso foi motivador para essa construção da candidatura.
Dani Monteiro, deputada eleita pelo PSOL
Ela ainda não tem projetos de lei formulados e pontua que o início do mandato será de análise do processo político do estado, com foco em como é distribuído o orçamento.
Representante da juventude, a estudante reforça o temor pelo aumento das mortes de jovens negros após declarações do governador eleito Wilson Witzel que indicam possível ênfase na chamada política de confronto em comunidades –Witzel nega que a proposta aumentará o número de homicídios em decorrência de intervenção policial e promete defender policiais envolvidos em mortes durante o expediente.
A escolha pelo “abate” na segurança, a participação no episódio da placa quebrada de Marielle Franco e a aproximação do PSL, legenda que quer barrar o acesso do PSOL a comissões como a de Direitos Humanos, fazem com que Witzel tenha a bancada psolista como oposição.
“Se ele [Witzel] ouvisse mais rap, entenderia o que a favela pede. É um desconhecimento completo dele sobre o quanto aquele território é fértil, de uma juventude muito criativa”, defende Dani.
As deputadas não falam de um bloco de esquerda de oposição, mas de uma frente democrática com a participação de deputados de partidos de centro e direita, preocupados com a garantia dos direitos humanos.
Do outro lado estará o PSL, do presidente eleito Jair Bolsonaro. A legenda já declarou combate ao PSOL, o que as deputadas veem com preocupação, mas esperam que seja um discurso apenas eleitoreiro.
“A fala é antidemocrática e não republicana. Aceitar as divergências é algo saudável e salutar da democracia. A gente sempre se pautou na lógica do diálogo”. defendeu Renata.
Por Pauline Almeida, do UOL Rio