(Folha de S. Paulo, 16/08/2016) Chego à Colômbia pensando que o assunto do momento é o processo de paz, que se encontra em fase de finalização das negociações. Mas não. Tampouco as Olimpíadas estão mobilizando tanta atenção, apesar das duas medalhas de ouro (até agora) heróicas do país. O que está em debate mesmo é a imensa repercussão causada por conta de uma cartilha que o governo está por lançar para prevenir que crianças e adolescentes cultivem a intolerância.
Tudo começou, infelizmente, de forma trágica, com o suicídio do garoto Sergio Urrego, 17, em 2014. Segundo consta, o rapaz vivia em conflito com a dificuldade de assumir a homossexualidade diante de colegas e família e acabou tirando a própria vida. Desde então, iniciou-se um debate sobre como esclarecer melhor as crianças e evitar o “bullying” nas escolas.
A Corte Constitucional determinou, então, que o governo revisasse seus manuais de convivência, para tentar atacar o problema. O resultado foi o documento “Ambientes Escolares Livres de Discriminação”. Porém, mesmo antes de ser lançado, começou a sofrer ataques de vários setores da sociedade e de membros da Igreja. Tudo se agravou, porém, quando nas redes sociais disseminaram-se imagens que não pertenciam ao novo manual, mas sim de uma HQ belga que mostrava cenas de sexo explícito entre garotos e garotas homossexuais.
A confusão estava armada. Na semana passada, mais de 40 mil pessoas, convocadas pelas redes sociais, foram às ruas contra o Ministério da Educação. Deputados conservadores e líderes religiosos disseram que o órgão estava impondo uma “ideologia de gênero” às crianças. Não demorou para que as críticas endereçadas à ministra Gina Parody tomassem tom pessoal. Parody é homossexual e tem como parceira uma outra ex-ministra _o casamento gay ainda não é lei no país. A deputada conservadora Ángela Hernández disse que Parody estava praticando a “colonização homossexual” do país.
Nas ruas, os cartazes pediam a renúncia da ministra, que é muito próxima ao presidente Juan Manuel Santos. Alguns deles diziam “Chega de Parody, Cristo vive”, ou “Senhor ou Senhora Parody, vá embora”.
As organizações de defesa dos direitos LGBT reagiram, assim como artistas e intelectuais, em apoio à ministra. O governo tentou mostrar a diferença entre o comic belga e a cartilha real, que obedece padrões internacionais e cuja produção foi fruto de um convênio com as Nações Unidas.
A polêmica arrefeceu apenas um pouco quando o presidente Juan Manuel Santos saiu a apoiar sua ministra, ao mesmo tempo que garantiu que o Estado não promoveria “ideologias de gênero”. Porém, em tempos de polarização política em torno do plebiscito pela aprovação do acordo de paz, a contenda ganhou cores de disputa eleitoral.
De um lado, Santos e seu governo que quer mostrar-se conciliador, tenta negociar com a guerrilha e terminar uma guerra de mais de 50 anos por meio do diálogo e que, entre outras coisas, escolhe uma ministra mulher e homossexual para uma pasta-chave como a Educação, justamente para lançar ao país uma mensagem de tolerância. E do outro lado está o ex-presidente Álvaro Uribe, crítico do acordo de paz, que faz a campanha pelo “não” e pelo retorno à solução bélica contra a guerrilha. Uribe crê que que a paz em negociação é a entrega do país aos “terroristas” e é conhecido por, quando está nervoso, chamar os interlocutores de “maricas”.
Trata-se da mesma divisão que havia nas eleições de 2014, quando Santos perdeu o primeiro turno para o candidato apontado por Uribe e ganhou por margem pequena o segundo turno. A divisão do país segue igual, a julgar pelo que veio à tona com o episódio das cartilhas de convivência. Como conciliar de forma harmônica essas duas Colômbias é o desafio que se impõe a Santos e à sociedade como um todo.