26/08/2013 – Associações produtivas de mulheres se multiplicam no Brasil

26 de agosto, 2013

(Valor Econômico) O projeto Lavanderia Solidária está qualificando mulheres de 32 famílias carentes da Baixada Santista, no litoral paulista, para o trabalho associativista. Entre elas, dona Nice, como é conhecida Elenice Rego Edeltrudes, de 50 anos, que foi moradora de um barraco às margens do Canal do Acaraú, no Guarujá. Trata-se de uma ação que envolve a Prefeitura do Guarujá e o Consulado da Mulher, mantido pela Whirlpool Latin América. O movimento já foi premiado pelo governo americano, com US$ 59 mil pelo concurso We Americas, que reconhece mulheres empreendedoras na América Latina.

Batizado de Lav Pat, em homenagem a uma filha de dona Nice de nome Patrícia – já falecida – que ajudou na sua idealização, o projeto busca reduzir a pobreza em comunidades como a do Acaraú, modificando vidas de mulheres como Dona Nice.

Tudo começou com o Conjunto Habitacional Vila Nova Esperança, que transferiu as famílias das margens do Canal Acaraú para novas casas, entregues em setembro de 2010, segundo Maria Angélica de Araújo Cruz, secretária-adjunta de Desenvolvimento e Assistência Social do Guarujá. Também iniciativa do Consulado da Mulher com os governos municipal e federal, a ONG Habitat para a Humanidade, a Dow Química e a Caixa Econômica Federal. Ao transferir essas famílias para lares com despesas fixas como contas de luz e de água, gerou-se um custo de vida ao qual elas não estavam habituadas , diz Maria Angélica.

A saída foi organizar novos conjuntos de animação socioeconômica. A maioria de nós não poderia trabalhar sem ter onde deixar as crianças , afirma Adriana Conceição Carvalho Luna dos Santos, de 41 anos, outra das 11 mulheres à frente da Lav Pat. Com a Vila Nova Esperança, consegui um endereço, um serviço e dignidade , diz.

A comunidade no entorno já começa a se beneficiar. Teremos coleta seletiva e isso é o primeiro passo, pois queremos dividir tudo que recebemos , afirma Rosilene dos Santos, de 47 anos, mais uma associada. Ela acredita que as melhorias devem se estender a todos os moradores, quando o negócio prosperar e demandar mais mão de obra. Se depender da procura de hotéis e restaurantes da região pelo serviço, o sonho de Rosilene será realidade.

Muitos empresários locais já estão comprometidos com o projeto , conta Christiano Basile, coordenador de Desenvolvimento de Programas Sociais Consulado da Mulher, uma iniciativa da marca Consul, que existe para assessorar negócios populares liderados por mulheres em vulnerabilidade socioeconômica. Desde que foi criado, em 2002, mais de 30 mil mulheres já foram assistidas. A marca investe anualmente R$ 3,6 milhões no programa. Conjuntamente os negócios estruturados já faturam R$ 6,2 bilhões por ano , calcula.

Basile explica que a Lavanderia Solidária é uma iniciativa pioneira que surgiu da evolução do Espaço Solidário, criado para possibilitar uma experiência prática de comercialização e gestão de um empreendimento no ramo de alimentação.

Histórias de associativismo se multiplicam Brasil afora. mulheres que sozinhas não teriam oportunidade têm suas vidas transformadas porque aprenderam que juntas podem fazer a diferença. É o caso das Meliponicultoras de Curuçá, no Pará, que produzem e comercializam mel de abelhas nativas da Amazônia no quintal de casa. Lá, segundo o biólogo Richardson Frazão, pesquisador do Instituto Peabiru, a associação de produtoras de mel tem nas mulheres a gestão e participação direta na cadeia. Elas passaram a adicionar valor a sua atividade produzindo cosméticos, como sabonetes, xampu e esfoliante a base de mel e cera das abelhas .

De acordo com João Meirelles Filhos, fundador do Instituto Peabiru, como forma de empoderamento, é importante para a mulher conquistar seu espaço e voz na discussão onde participam também homens, e garantir a participação em processos de tomada de decisão em suas comunidades . Com isso, a instituição acumula aprendizados em projetos como com quilombolas e indígenas, no Amapá, e agricultores, no Pará, onde 340 famílias já foram beneficiadas. Eu me sinto mais livre e mais dependente ao mesmo tempo. Dependo das abelhas e elas dependem de mim , afirma Cleudes Pimenta, de 32 anos, uma das associadas.

Não é diferente em Sergipe, em Indiaroba, onde a Associação das Catadoras de Mangaba tem como objetivo contribuir para o fortalecimento e sustentabilidade das comunidades extrativistas por meio da difusão de tecnologia social e auto-organização dos grupos. São atendidas diretamente 600 catadoras e, indiretamente, 1.357 famílias que trabalham em terras devolutas ou de terceiros. As linhas de ação do projeto são geração de renda e oportunidade de trabalho. Os temas transversais são gênero, igualdade racial e comunidades tradicionais.

A mangaba nativa e os mariscos garantem a sobrevivência de dezenas de comunidades da região costeira do Estado. No entanto, a especulação imobiliária, a carcinicultura e a monocultura são desafios que comprometem as vidas de milhares de pessoas não somente sob o aspecto da segurança alimentar e nutricional, uma vez que a maior fonte de renda dessas famílias provém de atividades extrativistas e culturais.

O projeto procura, assim, incentivar a multiplicação dos conhecimentos adquiridos e o aumento da capacidade de produção e da comercialização dos produtos da mangaba, como trufa, bala, licor, geleia, mousse e biscoito. Antes, o quilo da polpa da mangaba era vendido por no máximo R$ 5,00. Hoje, com um quilo do fruto, são produzidos 200 bombons que rendem R$ 200,00, segundo Alicia Santana, uma das associadas.

Igualdade entre os gêneros ainda está distante

Desde o episódio conhecido como Bra-Burning (queima dos sutiãs, em inglês), protesto feito na cidade americana de Atlantic City contra a realização do concurso Miss America em 1968, o movimento pela igualdade de gêneros tem obtido muitas vitórias. Os desafios, porém, ainda são grandes. É o que revelam pesquisas realizadas em diversas áreas no Brasil.

Dados preliminares de tese de doutorado do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero/Niem, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, indicam que a maioria das mulheres ainda vive em situação vulnerável e o associativismo tem sido uma alternativa de empoderamento, uma nova concepção de poder construído com mecanismos democráticos e de responsabilidades coletivas.

Culturalmente existe um sexismo muito grande e a sociedade ainda associa o poder e a produção de riqueza ao homem , afirma a doutoranda Cibele Cheron, responsável pelo estudo. Ela diz que, psicologicamente, o papel da mulher ainda está muito vinculado à reprodução e às tarefas domésticas. Estamos mais sujeitas a perda de emprego e ao trabalho informal , avalia. Da população desempregada há mais de um ano, 60% são mulheres . E as estatísticas chocam, segundo a pesquisadora. A discriminação de gênero da sociedade é visível no dia a dia da mulher, criada para atuar no papel secundário , diz. Culturalmente existem coisas para meninos e coisas para meninas e essa herança se perpetua na vida adulta.

A professora Regina Madalozzo, especialista em Economia de Gênero do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), alerta que a realidade é distinta para a mulher de baixa renda e a de alta renda, embora reconheça que os salários sejam relativamente inferiores aos dos homens mesmo quando ocupam cargos considerados masculinos. O problema não é só a discriminação laboral , diz. mulheres e crianças já trabalhavam em fábricas no início do século passado .

O que chama a atenção é que o nível de escolaridade das mulheres está cada vez mais avançado que o dos homens, mas isso não se reflete numa equiparação salarial, comenta a pesquisadora.

O estudo do Insper sobre o tema também está em andamento. Regina participa ao lado da colega Merike Blofield, da Universidade de Miami, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A mulher dependente, que está suscetível à renda do homem, não tem domínio da própria da vida , diz. Essa condição pode envolver, inclusive, violência Doméstica .

Segundo Regina, a mulher emprega melhor a renda com alimentação, educação dos filhos e saúde. Se o dinheiro é do homem, dificilmente eles vão decidir juntos como usá-lo . É por essas e outras que 90% dos benefícios do Programa Bolsa Família são entregues nas mãos das mães. A preocupação com a mulher deixou de ter caráter meramente social para pautar investimentos do setor privado. As empresas comprovaram o ciclo de melhora na sociedade com apoio para as mulheres , diz Regina.

Ao dar condições para que participem ativamente da comunidade, essas empresas estão promovendo o empoderamento feminino, que é também um desafio às relações patriarcais, em relação ao poder dominante do homem e a manutenção dos seus privilégios de gênero. (RC)

Acesse o PDF: Só para mulheres (Valor Econômico, 26/08/2013)

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