Uma das pioneiras do feminismo no Brasil, a socióloga e cientista política acredita que o Brasil vive um retrocesso referente as políticas públicas dedicadas aos direitos das mulheres
(Marie Claire, 20/09/2019 – acesse no site de origem)
Uma das pioneiras do feminismo no Brasil, a socióloga e cientista política Jacqueline Pitanguy acredita que o Brasil vive um retrocesso referente as políticas públicas dedicadas aos direitos das mulheres. Ela será uma das palestrantes da 2ª edição do Festival Agora É Que São Elas, que acontece neste final de semana (21 e 22) no CCSP (Centro Cultural São Paulo) cujo tema principal das mesas de debate será a violência política de gênero.
Em entrevista à Marie Claire, Jacqueline diz que o assunto precisa ser discutido principalmente porque o Brasil ocupa uma das últimas posições de um ranking em termos de representatividade feminina no Poder Executivo (o governo Bolsonaro conta apenas com duas mulheres ministras).
Desde 1997, a lei eleitoral brasileira exige que os partidos e as coligações respeitem a cota mínima de 30% de mulheres na lista de candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras municipais.
“Apesar de termos tido uma presidente mulher, a nossa participação ainda é muito baixa na política. É importante esclarecer que sexo biológico não garante um alinhamento com uma plataforma de direitos da mulher. Não há uma conexão automática em ser mulher e ser ativista pelos direitos da mulher, mas há evidências históricas de que uma série de projetos que dizem respeito às mulheres são encampadas por mulheres independentemente do partido político”, explica Jacqueline.
“Agendas que tratam da igualdade de gênero é fundamental. A ausência da mulher na política é uma forma de violência por termos menos parlamentares mulheres e consequentemente menos posições decisórias no Executivo e no Judiciário. É isso que também vamos discutir no evento”, completa.
Jacqueline é uma das fundadoras da Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), organização não governamental que luta pela igualdade de gênero em defesa da luta pela igualdade há mais de 30 anos. A socióloga esteve à frente de negociações que incluíram direitos da mulher na Constituição de 1988 e participou de reuniões que ajudaram a criar a Lei Maria da Penha, em 2006. A socióloga não encara com otimismo as políticas públicas do governo de Jair Bolsonaro referente aos direitos das mulheres.
“Temos um congresso extremamente conservador. É muito preocupante a atual política brasileira colocar a religião como um fator a ser seguido. Vivemos num país laico, mas parece que as pessoas religiosas que colocam livros sagrados acima das nossa constituição se esquecem disso. No momento em que grupos religiosos usam da religião como fator político, o estado laico vai minando. Isso é muito perigoso”, dispara a socióloga.
Jacqueline Pitanguy também não concorda como a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves exerce a função.
“O que me chama atenção é que a ocupante do cargo (de ministra) traz uma série de valores e crenças religiosas que não deveriam estar presentes no exercício de sua função. A ministra já disse publicamente que a mulher deve obedecer o homem no casamento, sendo que umas de nossas principais vitorias foi estabelecer a igualdade de direitos e responsabilidades no matrimônio. Além de inconstitucional, isso é extremamente preocupante porque está comprovado uma estreita ligação entre subalternidade da mulher com a violência doméstica. É triste”, afirmou Jacqueline.
A voz das mulheres
A luta exitosa do movimento feminino se evidenciou na vigente Constituição de 1988 que garante a isonomia jurídica entre homens e mulheres especificamente no âmbito familiar – que proíbe a discriminação no mercado de trabalho por motivo de sexo protegendo a mulher com regras especiais de acesso, entre outras leis. Ao longo dos anos, as mulheres clamam por igualdade de gênero e em ter livre arbítrio para tomar as próprias decisões.
Jacqueline Pitanguy lamenta o fato de Damares ter se colocado contra o aborto em qualquer circunstância.
“No momento que você institui uma crença religiosa dando parâmetros de políticas públicas é bem complicado. Vai contra todo o princípio básico da democracia que é pluralismo. Eu vejo com muita preocupação que uma dirigente de um órgão de direito da mulher se baseie em suas crenças religiosas. Isso poderá causar um possível retrocesso em leis seculares. Se uma mulher não quer fazer o aborto em nenhuma circunstância, ela tem todo o direito, se quer se submeter ao marido, é uma escolha dela. Mas não temos que criar estereótipos”, afirma.
Voz de uma geração que não se cala contra a opressão e o preconceito, Jacqueline espera que o Congresso Nacional, principalmente a bancada feminina, seja mais solidária com as causas. “Tivemos um avanço tão importante que não podemos deixar nossa luta ir embora em nome da Biblía, do evangélio, do ancorão e de qualquer religião. Lutamos para que todas as mulheres possam seguir seu caminho e fazer o que quiserem”, finaliza Jacqueline Pitanguy.
Por Gisele Alquas