(Folha de S. Paulo, 19/10/2014) A propaganda política mostra uma mulher indignada, sozinha em uma sala. “Barbara Comstock quer proibir o aborto até em casos de estupro e incesto”, diz a atriz, referindo-se a uma candidata republicana a deputada federal nos EUA. “Isso é tudo que eu preciso saber.”
O anúncio é da campanha do democrata John Foust, que disputa com a republicana um distrito no Estado americano da Virgínia.
Deputados republicanos que já apresentaram projetos para dificultar a realização de abortos (legais no país desde 1973) e tentam retirar financiamento de programas de planejamento familiar ou de distribuição de anticoncepcionais estão sendo atacados por seus rivais democratas.
As eleições parlamentares ocorrem em 4 de novembro. O presidente Barack Obama continua em minoria na Câmara e corre o risco de perder o Senado para a oposição.
É a primeira vez que o Partido Democrata coloca sua defesa da legalidade do aborto e de programas anticoncepcionais como “arma” eleitoral contra republicanos.
Até as eleições de 2012, o ataque vinha na mão contrária: os republicanos “acusavam” os democratas de apoiarem o aborto, o casamento gay e outros temas das chamadas “guerras culturais”.
Os democratas tentavam esconder sua chamada agenda “progressista”. “Por anos, os democratas foram amedrontados pela direita religiosa quando se falava de aborto ou de casamento gay”, escreveu, em editorial, o jornal “The New York Times” no fim do mês passado.
A campanha democrata assume a virada. “Por décadas, buscamos o voto independente, que muda facilmente de partido. Agora reconhecemos que nós ganhamos quando conseguimos tirar o nosso eleitor de casa e o estimulamos a votar”, disse à Folha o estrategista do Partido Democrata John Hagner.
“Em vez de sermos centristas e com medo, estamos sendo mais diretos, menos em cima do muro, com a nossa base”, declarou Hagner.
GUERRA CULTURAL
Anticoncepcionais são o foco de outro vídeo de campanha. Depois de mostrar os altos preços das compras do supermercado e da gasolina, outro vídeo, no Estado do Colorado, ataca o candidato republicano Cory Gardner por defender que pílulas anticoncepcionais não sejam cobertas pelo plano de saúde universal do governo Obama.
“Ele quer defender as contas dos planos de saúde e jogar a conta para você”, diz a narradora.
Desde junho, a ONG Emily’s List, que promove exclusivamente candidaturas femininas defensoras do direito ao aborto, já investiu US$ 3 milhões em uma campanha para apoiar a senadora Kay Hagan, que tenta a reeleição na Carolina do Norte. Nesse Estado, mais conservador, um candidato republicano tem chances de derrotá-la.
Além de políticas reprodutivas, a desigualdade entre homens e mulheres faz parte de outros anúncios.
“Preços em supermercados, roupas, eletrodomésticos são iguais para mulheres e homens. Mas o deputado Thom Tillis ajudou a matar o projeto que obrigaria salários iguais para homens e mulheres em mesmas posições”, diz anúncio contra o candidato republicano ao Senado Tillis, na Carolina do Norte.
Como os democratas faziam no passado, agora são os republicanos que não estão oferecendo reação aos ataques, mesmo em Estados conservadores.
Alex Castellanos, um marqueteiro republicano, admitiu à rede de notícias CNN que o partido está “perdendo a guerra cultural”.
Raul Justes Lores
Acesse o PDF: Aborto se torna arma em eleição legislativa dos EUA (Folha de S. Paulo, 19/10/2014)