Menina de 14 anos teve acesso a direito negado em disputa judicial envolvendo o pai dela e o possível agressor
Depois de 12 dias de disputa judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela garantia do direito ao aborto legal para uma adolescente de 14 anos, vítima de violência sexual, em Santa Catarina. A liminar deferida pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, na última terça-feira (19), anulou a suspensão do procedimento, que tinha sido imposta por decisão do Tribunal de Justiça do Estado, depois que o pai da menina recorreu à justiça para impedir a interrupção da gestação. O próprio suspeito do estupro, um homem de 22 anos, também tentou ingressar no processo. A mãe da adolescente também relata ter sofrido perseguição de uma organização antiaborto e de religiosos para impedir o direito ao procedimento.
Na decisão, o ministro do STJ considerou o caso um “flagrante constrangimento ilegal”, mencionando ainda “violência institucional”, “violência psicológica”, “omissão por parte das instituições” e “assédio processual” orquestrado por organização “supostamente em prol da vida e da família”. O ministro também aponta o “comprovado risco que a vítima sofre na presença do pai registral” (ou seja, o pai que consta na certidão de nascimento), que teria se aliado a organização antiaborto Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família para impedir o procedimento.
A batalha judicial para impedir o aborto legal da menina, grávida aos 13 anos, começou em 8 de dezembro, quando o pai moveu uma ação para impedir o aborto, com pedido liminar para que o procedimento fosse imediatamente suspenso até que houvesse decisão final do processo. Em seu artigo 128, o Código Penal brasileiro delimita as circunstâncias para o aborto legal, exigindo o consentimento da gestante ou, no caso de menores de idade, a autorização de seu representante legal.
Dias antes, em 2 de dezembro, ela tinha sido atendida pelo Conselho Tutelar de Tubarão, no sul do estado, e buscado o Hospital Regional Dr. Homero de Miranda, na Grande Florianópolis, para realizar o procedimento no dia 5. A internação de fato só aconteceu em 7 de dezembro, mas o abortamento foi impedido no dia seguinte por uma decisão liminar, emitida em resposta à ação do pai, pelo juiz da 2ª Vara Criminal de São José, Fabio Nilo Bagattoli.
A mãe, que tem a guarda da adolescente, diz que o pai teria sido informado do caso por uma organização antiaborto chamada Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família, ligada a religiosos, que tentou convencê-las a desistirem do procedimento. A ação movida pelo pai previa multa de R$500 mil e outras sanções civis e criminais em caso de descumprimento, e estendia-se à mãe da menina, proibindo-a de realizar o procedimento em outro hospital. Além disso, a ação citava o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao pedir a “colocação do nascituro para adoção”. O juiz Fabio Nilo Bagatto estabeleceu o dobro da multa, totalizando um milhão de reais, e previu penalizações para o responsável pelo “crime de desobediência”.
Fontes consultadas pela Agência Pública e Portal Catarinas indicam que a judicialização de casos como esse, respaldada em conflitos entre os pais, tem sido utilizada como estratégia para impedir a realização de abortos legais e para obstruir a garantia do direito de vítimas menores de idade, mesmo quando estas manifestam expressamente o desejo de interromper a gestação.
A decisão do ministro do STJ reconhece, entretanto, que neste caso “deve prevalecer a autorização dada pela mãe da ofendida, a meu ver, supre a exigência legal contida no inciso II do artigo 128 do Código Penal, especialmente diante de um genitor comprovadamente ausente”.