(UOL Notícias, 16/02/2016) Os casos confirmados de microcefalia por infecção congênita no país, entre os dias 22 de outubro e 6 de fevereiro, somam 462 e praticamente se igualam aos dados somados dos anos de 2012 a 2014 –quando houve 489 casos. Mesmo se antes as notificações não eram obrigatórias – e levanta-se a hipótese de que esses dados são menores do que a realidade -, especialistas não duvidam de que os casos graves de microcefalia deram um salto no final de 2015 e começo de 2016 no Brasil.
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A média anual do Brasil era de 0,5 caso de microcefalia para cada 10 mil nascidos vivos. Um número pequeno perto da média dos Estados Unidos, que vai de 2 a 12 casos a cada 10 mil nascimentos. Mas se fizermos as contas com números dos últimos meses de 2015 e primeiro mês de 2016, a incidência seria de cerca de 6,40 casos confirmados para cada 10 mil nascimentos – isso apenas considerando os casos de microcefalia por causa infecciosa, portanto, a incidência seria ainda maior. É esse número que chama a atenção do mundo.
Há ainda 3.852 casos em investigação, de bebês que nasceram com o tamanho da cabeça menor ou igual a 32 centímetros, mas que ainda não passaram por estudos para identificar se há lesões cerebrais.
Segundo o infectologista da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e um dos primeiros médicos a relacionar o vírus da zika à microcefalia, Kleber Luz, é possível que muitos dos casos que hoje estão sendo notificados sejam descartados.
“Houve uma indefinição dos critérios de casos, de perímetro cefálico de 32 cm, 33 cm, e isso gerou uma confusão muito grande. Toda notificação é um sistema de contagem de casos, que sempre é classificado como suspeito. Primeiro é informado e depois vai ser feito uma confirmação ou descarte, sempre deve notificar mais e confirmar menos –se você confirma o mesmo número alguma coisa está errada”, disse.
Luz afirma que não tem dúvida sobre a influência do vírus da zika no aumento de casos graves de microcefalia, e acredita que “é possível que antes só fossem notificados os casos aberrantes”.
É também o que acha Sandra Mattos, médica e uma das coordenadoras de um estudo que aponta a subnotificação de casos de crianças que nasceram com o perímetro cefálico menor. Ela ressalta que o número de casos graves teve alta no último trimestre de 2015.
“Os casos mais graves realmente cresceram no final do ano passado, agora os casos mais leves parece que já existiam há muito tempo. Se eles estão relacionados com a zika, se eles têm uma importância clínica maior, não sabermos ainda”.
Segundo o Ministério da Saúde, “não há dúvidas” de que o aumento de casos graves é uma consequência direta do surto da zika em algumas regiões do Brasil.
Cabeça pequena x má-formação cerebral
O primeiro sinal da microcefalia é o tamanho da cabeça menor do que a média. Por isso, muitos estudos começaram a buscar números de anos passados que poderiam indicar quantos brasileiros nascem com cabeças menores do que 32 centímetros. Na Paraíba, um grupo de pesquisadores investigou nascimentos entre 2012 e 2015 e encontrou um grande número desses casos.
Foram investigados 16.208 recém-nascidos entre 1º de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2015 em 21 centros de saúde pública da Paraíba. Desse total, pelo menos 2% tinham indícios de microcefalia como medição do perímetro cefálico menor, a curva de crescimento e critério de proporcionalidade característicos da má-formação. A pesquisa completa, em inglês, está publicada no site da OMS (Organização Mundial de Saúde).
“Os números são maiores do que o esperado desde o final de 2012 e com seu pico mais acentuado em meados de 2014”, conta Mattos. O número de recém-nascidos com cabeça pequena em 2014 teria sido 1.105, mas os dados oficiais apontam três casos de microcefalia em 2013 e cinco em 2014.
“Estas observações destacam a necessidade de avaliar cuidadosamente a situação. A primeira questão a ser abordada é a verdadeira incidência de microcefalia no Nordeste do Brasil. É possível que uma alta incidência de formas mais suaves de microcefalia foi ocorrendo antes da eclosão atual, mas que apenas os casos extremos, com fenótipos clássicos, estavam sendo notificados”, diz o estudo.
Os pesquisadores paraibanos acreditam que a percepção da alta no número de casos desde novembro de 2015 pode ter alertado profissionais, que estariam deixando de notificar formas mais leves.
“Poderia um bebê de 31 ou 32 centímetros de perímetro cefálico estar dentro dos limites normais para esta população? Poderia etnia ou componentes nutricionais explicar esses achados? Estamos diante de um grande número de uma doença neurológica ou observando uma variação antropométrica de normalidade?”, questionam.
Segundo Sandra Mattos, o levantamento entrou em uma segunda fase com a convocação para análise clínica de todas as crianças e não foram investigadas. A ideia é saber se elas apresentam algum sinal de dificuldade no desenvolvimento.
Ela diz que, como só existem dados a partir de 2012, não é possível comparar se a subnotificação ocorreria também em anos passados ou se o número de casos cresceu nos últimos quatro anos.
Carlos Madeiro
Colaboração para o UOL, em Maceió
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