Apesar de oferecer vantagens, o preservativo feminino não é vendido no Brasil e é distribuído em volume muito menor
(Folha PE, 01/12/2016 – acesse no site de origem)
A cada seis horas, uma pessoa se infecta com HIV em Pernambuco, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde. São 23.923 pessoas convivendo com a doença. Dessas, mais de metade são mulheres e a faixa etária é abrangente: na população adulta, atinge principalmente pessoas dos 19 aos 69 anos. Neste 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a Aids, o alerta é para o risco que a doença representa para qualquer pessoa, sem distinção de orientação sexual, idade ou gênero. Lembrar da camisinha feminina e popularizar seu uso pode ajudar a diminuir as infecções por HIV especialmente nas mulheres de acordo com especialistas.
Ainda bastante desconhecida das pessoas, a camisinha feminina foi lançada no Brasil em 1997 e oferece algumas vantagens em relação ao preservativo masculino. Segundo a coordenadora dos programas da Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero, Josineide Meneses, no momento da relação sexual, muitas vezes, a mulher se sente constrangida em pedir ao parceiro para colocar o preservativo. Por isso, a camisinha feminina se torna uma opção de prevenção, uma vez que facilita a negociação da prática do sexo seguro”, explica. Ela pode ser introduzida pela mulher antes mesmo da relação sexual começar. É importante frisar que o produto previne com a mesma eficácia da masculina a gravidez e as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs).
Ao contrário da camisinha masculina – distribuída nos postos de saúde e também amplamente vendida no comércio a preços acessíveis -, a feminina não está disponível para venda no Brasil. O único comprador/distribuidor é o Governo Federal, por meio do Ministério da Saúde, que faz a distribuição gratuita em unidades públicas de saúde. “A mulher tem que solicitar nas redes de saúde municipal, estadual e federal. A justificativa é o custo mais alto de produção e o pouco conhecimento sobre o preservativo, que não o faz tão popular quanto o masculino”, comentou a coordenadora dos programas da Gestos-Soropositividade, Comunicação e Gênero, Josineide Meneses.
Dados do Ministério da Saúde mostram que em 2015 foram distribuídas 552,3 milhões de camisinhas masculinas e apenas 22,3 milhões de preservativos femininos no Brasil. Em Pernambuco, 33,7 milhões do modelo masculino contra 1,8 milhão do modelo feminino.
Barreiras
Intimamente relacionado à sexualidade, ao prazer e à autonomia da mulher, o uso do preservativo feminino ainda é menor que o esperado. Os tabus ainda inerentes ao sexo, ao medo da mulher se tocar, às dificuldades de encontrar o produto, de negociarem o uso do preservativo com o parceiro e de dialogar sobre o próprio corpo são alguns dos aspectos apontados como barreiras.
Para Josineide, o preservativo feminino pode ser colocado antes da relação e ser retirado com tranquilidade. “Diferentemente da camisinha masculina, que precisa que o homem tenha ereção, a mulher pode colocar durante as preliminares, por exemplo”, comentou a coordenadora, que lembrou que todos devem usar o preservativo. “Todo mundo tem que usar, sim, independentemente se namora, se fica, se está casado ou se tem amante. Quem opta por não usar, deve refletir sobre a responsabilidade desse ato”, revelou Josineide.
O preservativo feminino é feito de poliuretano, um material mais fino do que o látex da camisinha que envolve o pênis e também é bastante lubrificado. O modelo feminino é uma “bolsa” de 15 centímetros de comprimento e oito de diâmetro e possui dois anéis flexíveis. Um é móvel e fica na extremidade fechada, servindo de guia para a colocação no fundo da vagina. O segundo, na outra ponta, é aberto e cobre a vulva (parte externa da vagina).
Confira no vídeo abaixo como deve ser feita a colocação.
Sem desculpas
Feminina ou masculina, o importante é acabar com as desculpas e usar. “É preciso desassociar a ideia do uso do preservativo à infidelidade conjugal, por exemplo. É importante reforçar que as pessoas devem se cuidar, independentemente do gênero e do tipo do preservativo”, afirma Josineide Meneses.
“Não vejo problema nem diferença”, diz José*, advogado de 55 anos. “A vantagem é que evita a transmissão de DSTs, como Aids, e previne gravidez de forma eficaz”, defende. Porém ele alerta sobre a necessidade de saber colocar o preservativo de forma correta: “Se não segurar o bico, ela fica com ar e tem grande possibilidade de se romper”.
“Eu não me incomodo de usar camisinha. Acho até que ela retarda um pouco mais”, afirma o diretor de arte Otávio Rêgo, de 42 anos. A preocupação é quando a situação envolve bebida alcoólica: “Pode passar batido”, argumenta.
“Não tem muito o que se pensar sobre o uso ou não quando você vai analisar a questão das doenças. Não tem outra forma de se proteger delas. O problema é que as pessoas focam na gravidez e esquecem o resto”, pondera Lenira Magalhães, 35 anos, gerente operacional de uma consultoria previdenciária.
Responsabilidade compartilhada
Há sete anos, a camisinha passou a ser o único método anticoncepcional da professora Alaíde*, de 38 anos, há oito em um relacionamento estável. “Camisinha pressupõe responsabilidade compartilhada tanto na contracepção quanto na prevenção de DSTs”, defende. O ritual do uso do preservativo chega a ser lúdico para ela. “Não tenho nenhuma queixa. Eu gosto da variedade, gosto das texturizadas, aromáticas e coloridas – a de menta é a minha preferida. Ainda não testei o preservativo feminino, mas tenho vontade”, afirma.
Alaíde afirma que, quando adolescente, foi atingida em cheio pelas campanhas de saúde e costumava ir a ONGs que distribuíam camisinhas. “A gente tinha que assistir a uma palestra bem ilustrada com imagens de vários tipos de doenças e o impacto que elas causam no corpo. Eu era adolescente, sexualmente ativa, instruída e apavorada com a ideia de contrair HIV ou alguma outra DST.”, conta. E lamenta: “Eu acompanhei as perdas que a gente teve por causa da Aids. Artistas como Lauro Corona, Cazuza, Renato Russo, Sandra Brea. Freddie Mercury morreu na véspera do meu aniversário em 1991”.
Quando estava solteira, durante um encontro casual, o parceiro reagiu negativamente ao pedido dela para colocar o preservativo, alegando que não estava acostumado por ter passado muito tempo casado. “Eu disse que, se ele quisesse desistir, a gente podia voltar para a sala e continuar bebendo”, explica. “A qualquer hora qualquer um dos envolvidos pode pedir pra parar, pode desistir. E a hora de colocar a camisinha ‘cria’ uma oportunidade de refletir sobre isso – se quer mesmo ir em frente ou não, se quer desistir, se quer adiar”, conta.
Júlia Montenegro