Na semana passada, em comissão, vocês votaram pela constitucionalidade de uma lei que proíbe o aborto em caso de estupro. E eu tentei entender a posição de vocês.
(Folha de S. Paulo, 13/11/2017 – acesse no site de origem)
Porque conheço muita gente inteligente que tem dificuldades em admitir a possibilidade do aborto. Porque tem algo de muito bonito nesse encontro entre um espermatozoide e um óvulo, esse evento que sela o DNA de uma pessoa que virá -única, jamais passível de ser repetida, um potencial indivíduo dentre bilhões de possibilidades.
Eu entendo que essa potência, esse destino selado dentro do útero, emocione e gere a vontade sincera de proteção.
Mas existe uma distância longa entre aquilo que condenamos moralmente e o que deve ser criminalizado. E essa possibilidade, essa vida por vir, para tornar-se vida, depende integralmente de outra pessoa, de outro corpo, e esse corpo pode não suportar doar-se, sem fim, desse jeito, nesse mundo que parece preocupar-se mais com os não-nascidos do que com os nascidos.
Criminalizar não significa condenar. Significa dizer que toda mulher que faz um aborto deveria ser presa. Por homicídio. E aí fica muito mais difícil entender a posição de vocês. Presa? Uma em cada cinco mulheres brasileiras. Presa? Uma mãe de família que já tem 3 filhos para sustentar, mas um dia tem um acidente ou não pode dizer não ao seu marido. Presa? Uma adolescente, depois de ceder às muitas pressões da idade, que não sabe como criar uma criança. Presa?
Mas admitamos que vocês tenham razão. Admitamos que a criminalização venha, em vocês, de uma vontade sincera de proteger a vida e de implicar a força repressiva e punitiva do Estado nesse esforço, porque essa força é tudo o que vocês conhecem. Tem uma situação que certamente seria dolorosa pra vocês. Uma situação na qual essa vontade de proteger seria ainda importante, ainda coerente, mas nunca motivo de alegria: a situação de uma mulher, ou menina, que engravida como consequência de estupro.
Eu entenderia que vocês sentissem a obrigação de proteger o que afirmam ser vida mesmo nos casos em que a mulher tenha engravidado ao sofrer uma violência indizível. Eu compreendo a lógica que vocês poderiam ter usado para tomar essa decisão, ainda que discorde dela. Mas eu não consigo entender que ela seja acompanhada de alegria. E eu vi. Eu vi vocês, no Congresso, depois de votar pela constitucionalidade da PEC 181, cantando, batendo palmas, com sorrisos no rosto e palavras de ordem. 18 homens felizes. Felizes ao imaginar uma menina de 16 anos, estuprada pelo pai, que faz um aborto por não suportar doar-se para o fruto dessa violência, e que vai presa. Estupro. Aborto. PRESA.
Vocês não estavam com o pesar, a formalidade e a dor de quem toma uma decisão difícil porque busca sinceramente coerência em meio a um mundo tão absurdamente injusto. Vocês estavam contentes.
Porque, pra vocês, nunca foi sobre vida. Nunca foi sobre o milagre. Foi sobre essa sede de poder que leva vocês a querer aparecer e angariar capital político em cima da dor dos outros. Do corpo dos outros. Simplificando complexidades e constrangendo o país.
O sorriso de vocês é a face mais vil do ser humano. O prazer que vocês sentem não tem nada a ver com moralidade. É, antes, a prova de que são perversos, sórdidos e estúpidos. Suas mães, deputados, devem estar arrependidas do esforço descomunal envolvido em colocar vocês no mundo.
Alessandra Orofino é economista, cofundadora da Rede Meu Rio e diretora da organização Nossas. Curadora do blog #AgoraÉQueSãoElas. Escreve às segundas, a cada duas semanas