(O Estado de S. Paulo, 03/03/2016) Experimentos in vitro documentaram morte de células-tronco neuronais humanas infectadas pelo vírus. Resultados reforçam suspeita de responsabilidade do zika no aumento de casos de microcefalia no Brasil.
Cientistas brasileiros comprovaram, em experimentos in vitro, que o zika vírus tem capacidade para infectar e matar células neuronais humanas. Os resultados reforçam a suspeita de que o novo vírus, detectado no Brasil no início de 2015, é responsável pelo aumento repentino no número de casos de microcefalia e outras má-formações congênitas no País. “Estou cada vez mais convencido disso”, diz o pesquisador Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), que coordenou o estudo. “É mais uma peça importante nesse quebra-cabeça que estamos tentando solucionar, sobre a relação do zika com a microcefalia.”
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Para testar essa relação, os cientistas infectaram células-tronco neuronais humanas com o zika e compararam o desenvolvimento delas com o de células não infectadas. As células foram cultivadas por métodos especiais, de maneira a formar neuroesferas e organóides cerebrais (popularmente conhecidos como “minicérebros”). São estruturas que mimetizam o desenvolvimento embrionário do cérebro humano, permitindo aos cientistas estudar uma série de fatores associados a esse processo em laboratório. Pode-se dizer que as neuroesferas representam o cérebro de um embrião no seu estágio mais rudimentar, enquanto que os organóides seriam equivalentes a um cérebro de até 2 meses de desenvolvimento, já com uma arquitetura interna de diferentes tipos celulares organizados em camadas.
Os experimentos mostraram que o zika não só é capaz de infectar as células, mas também de levá-las à morte. A capacidade das células-tronco que foram infectadas pelo vírus de formar neuroesferas foi extremamente reduzida; e as poucas neuroesferas que se formavam logo se degradavam num prazo de seis dias — enquanto que as neuroesferas de células não infectadas seguiam em frente sem problemas. No caso dos organóides cerebrais, os infectados cresceram 40% menos do que os controles, além de apresentarem anomalias morfológicas.
Os resultados são coerentes com um cenário em que a infecção pelo zika nos estágios mais iniciais da gestação levaria a um aborto (morte do embrião), enquanto que uma infecção mais tardia causaria anomalias no desenvolvimento do sistema nervoso do feto.
Dúvidas pendentes
É importante ressaltar, porém, que são resultados preliminares, que ainda não foram analisados por outros cientistas. Os pesquisadores (são 10 autores, da UFRJ, IDOR e Unicamp) optaram por publicar os resultados numa plataforma aberta de divulgação científica, chamada Peer J, que disponibilizou o trabalho na internet quase que imediatamente, ao mesmo tempo em que o estudo foi submetido a uma revista científica de alto impacto. Diante da situação de emergência global criada pelo zika, várias editoras e organizações científicas internacionais fizeram um acordo de divulgar resultados científicos sobre o vírus de forma gratuita e o mais rápido possível. A Organização Mundial da Saúde também recomendou a publicação imediata de todos os dados disponíveis.
Os mesmos experimentos estão sendo feitos agora com outros vírus para verificar se eles têm o mesmo efeito nas células, ou se essa toxicidade neuronal é uma particularidade do zika vírus.
Também não é possível ter certeza ainda se a mesma letalidade ocorre no cérebro humano, já que efeitos observados em células in vitro nem sempre se reproduzem da mesma forma no organismo vivo. Experimentos em que cérebros de camundongos foram infectados com o zika vírus estão em andamento na Universidade de São Paulo para tentar responder essa questão.
Herton Escobar
Acesse o PDF: Cientistas brasileiros mostram que zika pode matar células neuronais (O Estado de S. Paulo, 03/03/2016)