Como um debate sobre licença maternidade se voltou para o aborto

13 de setembro, 2017

Comissão Especial da Câmara discute PEC que prevê ampliação de licença para mães de bebês prematuros, mas proposta inclui polêmico conceito de “proteção da vida desde a concepção”. Entenda o que está em jogo.Os direitos das mães brasileiras estão em debate na Câmara dos Deputados. A Comissão Especial sobre Licença Maternidade em caso de Bebê Prematuro reúne-se nesta quarta-feira (13/09) para discutir e possivelmente votar o parecer do relator da PEC 181/15, que prevê uma ampliação do tempo de convivência entre mãe e filho em caso de nascimento antes do previsto.

(Terra, 13/09/2017 – acesse no site de origem)

A versão inicial da Proposta de Emenda Constitucional, que tramita no Congresso, quer acrescentar o tempo de internação do bebê prematuro à licença maternidade de quatro meses vigente no país. Segundo a proposta, a licença, no entanto, não poderia exceder 240 dias.

Apesar da discussão positiva sobre uma extensão da licença, especialistas ouvidos pela DW Brasil consideram que a PEC, que tramita no Congresso, poderá se tornar um retrocesso para os direitos das mulheres se o texto avançar na forma em que está.

“Se tratasse exclusivamente da ampliação da licença de mães de bebês prematuros, o projeto seria extremamente positivo”, avalia a advogada Ilka Teodoro, diretora de negócios e jurídico da ONG Artemis, de combate à violência contra a mulher.

O texto original, no entanto, sofreu modificações após deliberações de uma Comissão Especial, criada no final do ano passado. A versão mais recente, de meados de agosto e que deverá ser discutida pelo colegiado, inclui sugestões de alteração de artigos da Constituição que mudariam as regras sobre o aborto na Constituição brasileira. O novo texto foi chamado de “Cavalo de Troia” nas redes sociais

Segundo os especialistas consultados pela DW Brasil, a emenda constitucional poderia anular a permissão legal de abortos em caso de estupro, por exemplo. Isso porque vale o princípio de supremacia da Constituição, ou seja, ela se sobrepõe ao Código Penal, que prevê a descriminalização do aborto em caso de violação e de risco de morte para a mãe, explica Flávio de Leão Bastos, professor de Direito Penal da Universidade Mackenzie. Desde 2012, o aborto também é permitido se o feto for anencéfalo.

“Desde a concepção”

O parecer a ser discutido a partir desta quarta-feira, do relator e deputado Jorge Tadeu, é colocado na pauta da Câmara dos Deputados pela terceira vez desde que foi escrito, em meados de agosto. Nas duas sessões anteriores, o texto não avançou no processo legislativo.

O parecer incluiu a sugestão de introduzir na Constituição o termo “desde a concepção”. Segundo a proposta de Tadeu, o texto do Artigo 1º, por exemplo, disporia sobre o princípio de “dignidade da pessoa humana desde a concepção”, em vez de mencionar apenas a “dignidade da pessoa humana”. O Artigo 5º também passaria a incluir o conceito: “Todos são iguais perante a lei, (…) garantindo-se (…) a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção.”

Tadeu explicitou em seu relatório que apoia a extensão da licença maternidade em caso de partos prematuros porque “o recém-nascido prematuro já não conta mais com o acolhimento e a proteção do ambiente intrauterino” e que a ampliação da convivência com a mãe teria o sentido de “proteger a pessoa humana desde a concepção”.

Para Flávio Bastos, cofundador do Observatório Constitucional Latino-Americano (OCLA), a inserção da expressão “desde a concepção” permite “afirmar que as duas situações permitidas pela lei para o aborto [estupro e risco de morte para a mãe] e a anencefalia talvez sejam agora inconstitucionais”.

O especialista explica ainda que, apesar de – ou exatamente por – não haver consenso na área jurídica sobre o momento do início da vida, a discussão da PEC 181 revela um choque entre dois direitos fundamentais.

“De um lado, segundo o deputado, está o direito da vida dos fetos. Do outro lado, você tem o direito fundamental da mulher sobre o próprio corpo, a decisão de ser mãe, uma série de outros direitos que especialmente os movimentos feministas trazem para a discussão”, afirma Bastos.

No entanto, segundo o professor a PEC 181 não pode avançar se ferir as chamadas cláusulas pétreas (imutáveis) da Constituição. “A quarta cláusula pétrea diz que não pode haver discussão de PEC para redução, ou tendente à abolição, de direitos e garantias individuais.” Para ele, é nessa esfera que se dará a discussão sobre o aborto no Congresso, já que os dois lados vão argumentar tanto pela defesa dos direitos individuais das mulheres quanto pela proteção da vida intrauterina.

Congresso conservador

Bastos acredita que, depois de a Comissão Especial dar aval ao parecer e encaminhá-lo para votação no Congresso, as mudanças na PEC 181 podem ser aprovadas – mesmo que o rito de aprovação no Legislativo exija uma maioria de 3/5 nas quatro votações (duas na Câmara dos Deputados e duas no Senado).

O especialista explica que este é um quórum considerado alto e difícil de ser alcançado. “Mas hoje o Congresso é um Congresso conservador. Todas as propostas que envolvem questões da mulher, de gênero, questões indígenas, estão sofrendo um revés muito forte no Congresso Nacional”, avalia.

Teodoro é da mesma opinião. Ela trabalha com as bancadas feministas no Congresso para tentar barrar propostas que violem os direitos da mulher. “Todos os dias, são três, quatro encaminhamentos de projetos de lei que prejudicam os direitos da mulher, apresentados em regime de urgência e para os quais temos que nos mobilizar rapidamente”, relata a especialista. Para ela, as recentes sugestões de mudanças na PEC 181 são “um retrocesso sem precedentes”.

Bastos ressalta que, mesmo que aprovada no congresso, a emenda constitucional poderia ser questionada no Judiciário, com uma ação que argumente pela inconstitucionalidade do texto e em favor da defesa dos direitos individuais da mulher.

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas