Regras de aborto na Irlanda são questionadas na ONU

13 de março, 2014

(ConJur) A Irlanda pode ter de ser explicar na Comissão de Direitos Humanos da ONU por causa da sua legislação restrita em relação ao aborto. No país, a gravidez só pode ser interrompida se oferecer risco de morte para a mãe. Caso contrário, a interrupção é considerada ilegal e quem aborta pode ser condenado até à prisão perpétua.

Nesta quinta-feira (13/3), a ONG Center For Reproductive Rights anunciou que estava levando para a ONU o caso de mais uma gestante que foi impedida de abortar depois de descobrir que o feto tinha uma anomalia grave. É a segunda reclamação desse tipo que a organização leva para a organização. O primeiro foi em novembro de 2013.

Nos dois casos, a história é bastante semelhante: já na metade da gravidez, as mulheres descobriram que o feto tinha uma anomalia que, além de causar malformações, o faria ter uma vida repleta de privações físicas e mentais e conviver com o risco iminente de morte. Sem poder abortar na Irlanda, as duas viajaram até o Reino Unido para interromper a gestação.

Na Comissão de Direitos Humanos da ONU, a organização não governamental alega que a Irlanda violou direitos fundamentais dessas duas mulheres. Para o grupo, elas foram submetidas a tratamento desumano, tendo de viajar para poder fazer valer sua escolha. A organização também aponta interferência indevida na vida privada delas e discriminação sexual. Se considerar que houve violação de direitos das mulheres, a comissão pode mandar a Irlanda pagar indenização para elas.

Regras do aborto
Na Europa, a Irlanda é um dos países mais conservadores quando se trata de interrupção da gravidez. Uma lei de 1861 proíbe o aborto. Em 1983, foi feito um referendo no país e a população aprovou a manutenção da proibição e uma nova emenda à Constituição que garante o direito à vida do feto, igualmente ao da mãe. No Judiciário irlandês, pouco depois, consolidou-se a jurisprudência de que, se há risco de morte da mãe, ela pode abortar.

Também partiu da Justiça o entendimento de que, se por conta da gravidez, há chances de a grávida cometer suicídio, a gestação pode ser interrompida. Esse entendimento foi firmado na discussão sobre o drama de uma menina de 13 anos que, depois de um estupro, ficou grávida e psicologicamente abalada. O estupro, por si só, não justifica o aborto no país. O risco de morte, sim. No ano passado, o governo decidiu transformar essa jurisprudência em lei.

A maioria dos países europeus é bem mais liberal em relação ao assunto. Dos 47 Estados que fazem parte do Conselho da Europa, 32 permitem que a mulher interrompa a gravidez sempre que for diagnosticada alguma anomalia fetal, como, por exemplo, a anencefalia.

Desses, 31 reconhecem como direito da mãe interromper a gravidez no primeiro trimestre simplesmente porque não quer ter um filho. É o caso, por exemplo, da Itália e da Inglaterra. A Bielorrússia, que não entra na contagem por não fazer parte do Conselho da Europa, tem a legislação mais liberal sobre aborto na Europa. O país permite que a mulher opte por interromper a gravidez até as 28 semanas de gestação. Alguns dos motivos que justificam o aborto no país são riscos de saúde para a gestante, dificuldades financeiras, divórcio do casal antes do nascimento da criança e a mãe já ter mais de cinco filhos para criar.

Quando a gravidez oferece riscos de saúde para a mulher, a quantidade de países europeus que permite a interrupção da gravidez aumenta ainda mais: 42. Desses, em 35 países o bem-estar da grávida justifica o aborto. Em apenas três países europeus — Andorra, Malta e San Marino —, o aborto não é permitido em nenhuma hipótese.

Em dezembro de 2010, a Corte Europeia de Direitos Humanos bateu o martelo sobre o aborto ser ou não um direito da gestante. A corte decidiu que optar pela interrupção da gravidez não é um direito fundamental da mulher previsto na Convenção Europeia de Direitos Humanos. A maioria dos juízes concordou que proibir o aborto não agride o direito à dignidade da mulher e nem seu direito à vida pessoal e familiar.

Na ocasião, os julgadores explicaram que, embora a maioria dos países europeus permita a interrupção da gravidez, trata-se de um assunto em que não há consenso e não cabe ao Conselho da Europa legislar. Não foi discutido como devem agir os países quando se trata de um feto com alguma anomalia grave, por exemplo, a anencefalia, que torna inviável a vida fora do útero.

No entanto, a corte já decidiu mais de uma vez que um Estado que permite o aborto, mas, na prática, dificulta que ele seja feito viola direitos da gestante e deve indenizá-la. Foi o que aconteceu com a Polônia, condenada a pagar indenização de 45 mil euros (R$ 145 mil) para uma grávida que foi impedida de abortar feto com má-formação genética.

No país, o direito de interromper a gravidez é garantido em casos de má-formação fetal, mas a falta de agilidade de exames pré-natal que diagnosticassem a anomalia do feto impediu que a grávida pudesse tomar uma decisão dentro do prazo máximo de gestação onde o aborto é autorizado.

Acesse o PDF: Regras de aborto na Irlanda são questionadas na ONU (ConJur – 13/03/2014)

 

 

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