Coronavírus pode levar milhões de mulheres em todo o mundo ao aborto inseguro

07 de abril, 2020

Organizações internacionais e OMS afirmam que serviços de saúde reprodutiva e de planejamento familiar são “essenciais”, mas estão sob risco durante o isolamento social imposto pela Covid-19

(Celina/O Globo, 07/04/2020 – acesse no site de origem)

Milhões de mulheres e meninas podem se ver obrigadas a levar adiante gravidezes indesejadas ou a arriscarem suas vidas em abortos inseguros durante o período de isolamento social necessário para evitar que a pandemia de Covid-19 se expanda ainda mais. As quarentenas devido ao novo coronavírus restringem o acesso aos serviços de planejamento familiar, afirma a organização beneficente Marie Stopes International.

A entidade adverte que as mulheres já têm problemas para conseguir contraceptivos, como a pílula anticoncepcional, e para ter acesso a procedimentos abortivos em meio a pandemia. Segundo a Maria Stopes International, a perda desses serviços pode afetar a até 9,5 milhões de mulheres e resultar em 2,7 milhões de abortos inseguros adicionais em todo o mundo.

“As mulheres e as meninas pagarão um preço alto se os governos não atuarem agora”, disse o presidente executivo da Maria Stopes International, Simon Cooke. “O aborto é um procedimento essencial e urgente e os atrasos por distanciamento social, o fechamento de centros médicos e as restrições de viagem terão um impacto profundo.”

As quarentenas por coronavírus estão forçando clínicas e programas de divulgação a fecharem, à medidade que as equipes médicas se redistribuem para combater a pandemia. Além disso, a inatividade em farmacêuticas chinesas e os atrasos no envio de medicamentos têm causado a escassez desses produtos. Enquanto isso, as mulheres que estão em isolamento domiciliar convivem com probabilidades maiores de violência doméstica, o que pode levar a gravidezes forçadas.

No último sábado (4), a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou um comunicado classificando os serviços de saúde reprodutiva como “essenciais”:

“Os serviços relacionados à saúde reprodutiva são considerados parte dos serviços essenciais durante o surto de COVID-19. Isso inclui métodos contraceptivos, cuidados de saúde de qualidade durante e após a gravidez e o parto e aborto seguro em toda a extensão da lei”, afirma um trecho do comunicado, que se refere às leis dos EUA, onde o aborto é legalizado em vários estados.

Os serviços de saúde sexual foram “severamente afetados” em vários países, e é provável que a situação piore, diz Manuelle Hurwitz, da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF, na sigla em inglês).

“Há um colapso desses sistemas e serviços de saúde e creio que será necessário muito tempo para recuperá-los, mesmo depois que a pandemia tenha terminado oficialmente.

Uma pesquisa recente realizada entre as 80 organizações que são membros da IPPF descobriu que um em cada cinco serviços de planejamento familiar se viu obrigado a fechar clínicas, enquanto outros tiveram que reduzir serviços. Alguns dos provedores que responderam à pesquisa informaram que há escassez de medicamentos, incluindo contraceptivos, remédios para pacientes com HIV, testes de gravidez e pílulas abortivas.

Os serviços que oferecem medicamentos para aborto afirmaram que o número de consultas aumentou. O Women on Web, com sede na Holanda, informou que as chamadas duplicaram.

Mulheres que vivem em países onde o acesso ao aborto é limitado enfrentam desafios particulares

Na Polônia, onde o aborto é proibido, o fechamento parcial das fronteiras significa que as mulheres não podem ir a um outro país para fazer o procedimento.

“Vamos ter mulheres obrigadas a levar adiante gravidezes não desejadas”, afirma Mara Clarke da Rede de Apoio ao Aborto, que trabalha em vários países da Europa.

Nos Estados Unidos, onde alguns políticos conservadores tentam restringir o acesso ao aborto, vários estados consideram que as clínicas onde se realizam abortos seguros não são essenciais e que podem ser fechadas durante a pandemia para preservar recursos.

A justiça americana autorizou em segunda instância a decisão do estado do Texas de suspender temporariamente os abortos no âmbito da luta contra o novo coronavírus, revertendo uma decisão tomada no dia anterior por um tribunal federal. Como muitos de seus colegas, o governador desse estado conservador no sul dos Estados Unidos ordenou o adiamento de intervenções médicas não urgentes para garantir a disponibilidade de leitos hospitalares e equipamentos de proteção para pacientes com Covid-19. Há oito dias, o procurador-geral do estado, o republicano Ken Paxton, determinou que essa ordem também se aplica a abortos voluntários, exceto em casos de perigo para a vida da paciente.A violação da ordem será passível de punição com até 180 dias de prisão e multa de US$ 1.000, acrescentou.

Denunciando uma manobra “ideológica”, defensores do direito ao aborto levaram à justiça a decisão do procurador-geral e, na noite de segunda-feira, um juiz federal de Austin bloqueou a decisão de Ken Paxton. O promotor recorreu da decisão na terça-feira de manhã e, poucas horas depois, um tribunal de apelações decidiu que estava “provisoriamente” suspendendo a realização de abortos “para dar ao tribunal tempo suficiente para examinar” os argumentos das partes.

Em comunicado à imprensa, o promotor Paxton “aplaudiu” a decisão, que, segundo ele, “estabelece as corretas prioridades na distribuição de equipamentos de proteção”. Além do Texas, outros estados conservadores do sul e centro dos Estados Unidos consideram o aborto como intervenções “não urgentes” que devem ser proibidas durante a pandemia.

Ações foram ajuizadas em cinco estados e, na segunda-feira à noite, diferentes juízes decidiram contra as autoridades do Texas, assim como de Alabama e Ohio, observando que a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu em 1973 o direito das mulheres de abortar sem mencionar uma “cláusula” suspensiva no caso de uma emergência de saúde.

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