Contracepção, gestação, transtornos de humor, prevenção, reposição hormonal, osteoporose foram os principais assuntos abordados na manhã desta quarta-feira (14) no 6º Congresso Brasileiro sobre HIV/Aids e Vírus Relacionados e 11º Simpósio Brasileiro de Atualização na Patogenia e Manejo da Aids. O evento começou hoje, em Salvador, com debates sobre as especificidades de mulheres soropositivas. Reúne, até sexta-feira (16), 400 especialistas e pessoas interessadas no tema. Segundo o presidente do Congresso, o médico Carlos Brites, as mulheres representam metade dos casos de aids no mundo.
(Agência Aids, 14/09/2016 – acesse no site de origem)
“O debate sobre os desafios no tratamento de mulheres com HIV tem um espaço restrito na programação de congressos científicos, então, decidimos contemplar mais esse assunto.”
O infectologista só deu as boas-vindas, o debate mesmo ficou por conta delas: mulheres especialistas que acompanham as que vivem com HIV/aids.
A ginecologista Ana Gabriela Travassos e a infectologista Isabella Pereira da Nóbrega, ambas do Cedap (Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa em Salvador), lembraram que com o aumento da expectativa de vida das portadoras de HIV, muitas mulheres estão envelhecendo e vivenciando uma fase da vida em que ocorre a transição do período reprodutivo ou fértil para o não reprodutivo.
Há as que já apresentam alterações metabólicas relacionadas ou não com a infecção pelo HIV e com o uso de antirretrovirais. Mas há ainda as mais jovens, em fase reprodutiva e que querem ser mães.
“Temos observado cada vez mais o aumento de gestações não planejadas. O importante é lembrar que toda mulher tem direito de ser mãe, mas a gravidez de mulheres soropositivas tem menos riscos se for planejada desde o início. Para que tudo corra bem, a mãe precisa estar com a imunidade estável, respondendo ao tratamento, sem infecções genitais e com carga viral indetectável”, explicou a infectologista Isabella.
Na opinião da ginecologista Ana Gabriela, a maioria das gestações ocorrem sem planejamento por causa do medo da mulher reconhecer o desejo ou de conversar sobre isso com o profissional de saúde. “Não dá para fechar os olhos e fazer de conta que o desejo de ser mãe ou pai não existe entre as pessoas vivendo com HIV/aids. Cerca de 80% dos soropositivos no Brasil estão em idade reprodutiva.”
As duas médicas atendem em Salvador casais sorodiscordantes (apenas um é portador) e soroconcordantes (os dois são) que querem ter filhos.
“Quando a mulher soropositiva deseja engravidar, a indicação é que ela faça uma autoinseminação vaginal no período fértil. Ela pode aspirar com a seringa sem agulha o sêmen da camisinha e injetar no interior da vagina. Essa alternativa reduz em 100% o risco de infectar o parceiro”, contou Ana, acrescentando que a circuncisão masculina também é indicada neste caso.
Quando apenas o homem tem o vírus, elas indicam tratamentos que diminuem ainda mais as chances de contágio do bebê, como a reprodução humana assistida: lavagem de esperma e inseminação intrauterina ou fertilização in vitro. “Há também a concepção natural associada à PrEP (profilaxia pré-exposição). O uso de antirretrovirais e carga viral indetectável reduzem o risco da transmissão sexual”, observou Isabella.
A médica assegurou ainda que toda gestante com HIV deve receber tratamento antirretroviral, independentemente da situação imunológica ou virológica.
“O tratamento é uma profilaxia da transmissão do HIV materno-infantil. Temos de monitorar a carga viral e o CD4 desta paciente. Mas é importante lembrar que quem engravida e já faz uso de antirretrovirais deve continuar com o mesmo esquema de tratamento se ele for efetivo e tolerável.”
Para as que nunca fizeram uso de drogas antirretrovirais, a indicação, segundo a especialista, é o tratamento de primeira linha: tenofovir (300 mg), lamivudina (300 mg) e efavirenz (600 mg). “Se a gestante apresentar resistência ao tenofovir, por exemplo, podemos substituir pelo AZT. Se o problema for com o efavirenz é possível trocá-lo pela nevirapina. Lembrando que já foi comprovado que o uso do tenofovir durante a gestação não impacta na formação óssea do bebê.”
Isabella observou ainda que a grávida soropositiva que segue todas as recomendações médicas reduz para níveis menores que 1% a possibilidade de infectar o bebê.
HIV e contracepção
Também da Bahia, a médica Karina de Sá destacou que, ao longo dos anos, as mulheres foram ganhando autonomia em relação à saúde sexual e reprodutiva e à livre escolha sobre ter ou não filhos, quantos filhos e em qual momento da sua vida, inclusive as que vivem com HIV/aids. “Elas têm à disposição diversos tipos de métodos contraceptivos, como a pílula, a camisinha, o DIU, entre outros. ”
Prevenção do HIV em mulheres
A falta de percepção do risco de contrair o vírus da aids também foi discutida. Entre as mulheres, segundo a médica Mônica Jacques de Moraes, infectologista da Unicamp (Universidade de Campinas) e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, há determinantes para o crescimento da doença, como pobreza, dependência econômica, acesso à saúde e à prevenção, violência, trabalho sexual, entre outros. “Em 2015, 47% das novas infecções pelo HIV no mundo foram registradas entre as mulheres. No Brasil, elas representam 35% dos casos de aids registrados desde a década de 1980.”
A médica destacou a importância da prevenção combinada. “Nas intervenções biomédicas contamos com os preservativos, o tratamento como prevenção e também a PrEP. Muitos estudos sobre PrEP apresentaram bons resultados entre os homens, mas é importante lembrar que medicamento, desde que tomado corretamente, também funciona entre as mulheres”, defendeu a pesquisadora.
Da plateia, a diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Adele Benzaken, disse que “é importante lembrar que o tenofovir [um dos medicamentos usados na PrEP] tem uma concentração inferior na mucosa vaginal se comparado a anal, mas se a adesão for efetiva a prevenção é eficaz. No caso da mulher, ela não pode deixar de tomar o medicamento um dia sequer para que a prevenção seja eficaz, mas não podemos desconsiderar que há mulheres que fazem sexo anal. Então, temos que pensar nelas também quando falamos de prevenção pela PrEP.”
Talita Martins