(R7, 20/05/2016) Orientação sobre o problema evitaria até o abandono dos bebês, dizem médicos.
Na contramão da recomendação recente do Ministério da Saúde, médicos da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses (SBDA) sugerem que o ideal não é sugerir às mulheres que desejam engravidar que adiem seus planos por causa do zika vírus, mas, sim, orientá-las a respeito da doença e de seus possíveis efeitos sobre o feto, incluindo o mais grave deles, a microcefalia causada pela síndrome da zika congênita.
De acordo com Renato A. Moreira de Sá, membro da SBDA e presidente da Comissão de Medicina Fetal da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, é preciso que se considere que a grande maioria das gestações no Brasil não são planejadas, de modo que a conscientização a respeito da zika se torna muito mais importante do que a tentativa de impedir uma gravidez por causa da epidemia.
— Recomendar a não engravidar é complicado, é melhor orientar. O ideal é que esta mulher saiba que precisa realizar ultrassons mensais ou, na impossibilidade disso, que ela faça ao menos quatro ao longo da gestação, nas 20ª, 26ª, 32º e 36ª semanas, para que haja um diagnóstico mais preciso.
Moreira de Sá explica que, ao se deparar com a realidade de um dano severo ao seu bebê, como acontece nos casos de microcefalia por síndrome da zika congênita, a mulher passa por um ciclo similar ao enfrentado em casos de luto.
Primeiro, ela passa pelo choque da notícia, depois experimenta a raiva pela incapacidade de resolver o problema. Na fase seguinte, a gestante tenta entender o que está acontecendo, reconhece a perda para que, por fim, possa fazer uma integração da sua nova realidade na perspectiva do futuro.
— Se damos a notícia de que ela espera um filho com este diagnóstico antes do nascimento da criança, teremos um bebê que precisa de cuidados sendo recebido por uma mãe que já está preparada para cuidar desse bebê. Por isso a importância do diagnóstico precoce, para que esta mãe passe por este ciclo ao longo dos nove meses. Não dar esse tempo a ela é praticamente um crime com estas crianças.
Esta conduta evitaria casos como os de crianças microcéfalas por zika abandonadas em maternidades, que, segundo os médicos, têm sido registrados em estados como o Maranhão.
— É uma atitude compreensível destas mulheres, não podemos julgá-las. Esta mãe reage de uma forma tão grosseira quanto aquela com que a sociedade a tratou.
As declarações foram dadas durante evento de apresentação da SBDA em São Paulo nesta quinta-feira (19), quando foram expostas as próximas ações da entidade, fundada há cerca de nove meses. O presidente da SBDA, o infectologista Artur Timerman, explica que, entre as atribuições da organização estão a capacitação dos profissionais de saúde e a busca pela notificação correta do número de casos de doenças causadas pelo mosquito aedes aegipty.
— Quem vê a dengue, o zika e o chikungunya primeiro é o pronto-socorrista, e eles estão muito despreparados, não sabem atender o paciente. As faculdades também não estão dando a importância devida a este assunto. Estas são algumas das nossas funções, já que, em uma projeção básica, entendemos que, em 2020, quase 1% da população vai ter sido exposta ao vírus da dengue.
Renato A. Moreira de Sá explicou que é a primeira vez no mundo que se registra uma doença congênita causada por um vetor — o mosquito —, e avalia que nunca o país enfrentou uma situação tão “estressante” para a obstetrícia.
De acordo com o ginecologista, como na síndrome da zika congênita existe uma destruição muito grande do sistema nervoso central, ela não é comparável às outras microcefalias.
— São crianças com muito mais gravidade. Às vezes apresentam dificuldade de deglutir, podem ter episódios de bronco aspiração.
Mas, ainda assim, os membros da Sociedade Brasileira de Arboviroses são cautelosos ao fazer previsões a respeito da expectativa de vida dos bebês afetados pelo zika vírus. Marco Aurélio Sáfadi, infectologista pediatra e diretor do Núcleo de Estudos e Publicações da SBDA, recomenda cautela neste momento.
— É uma síndrome com um espectro muito amplo, com níveis diversos de sequelas que provavelmente guardam relação com a época da gestação em que a mulher foi infectada. Temos que ter humildade, porque é muito difícil predizer o futuro dessas crianças.
Marcella Franco, do R7
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