“A única coisa que eu queria, mas não consigo, é amar a minha filha.”
(HuffPost Brasil, 05/10/2016 – acesse no site de origem)
Foi com essa frase que a médica Júlia Rocha foi apresentada à Laura em uma consulta. Laura é mãe de uma garotinha de quatro anos e mais uma mulher que enfrenta o estereótipo da “mãe desnaturada”.
Muitas vezes a maternidade é entendida como um estado natural à mulher em sua completude. Por terem os corpos e o organismo preparados para gestar uma nova vida, ser “mãe” e ser “uma boa mãe” é vista como uma condição intrínseca a qualquer pessoa do sexo feminino.
Porém, a situação não é tão simples assim. Não existe um manual de instruções sobre a maternidade e não existe regras do que é o amor entre mães e filhos.
Em um relato compartilhado no Facebook, a profissional de saúde relata a história de sua paciente que estava sendo julgada com depressão pós parto por não “amar o suficiente” sua filha. Porém, Laura demonstrava carinho e cuidado pela criança, mas afirmava que não conseguia sentir ~aquele amor~.
Mas que amor é esse? Qual a sua forma?
Nenhuma. E todas.
Ao procurar entender melhor a situação da mulher, Rocha deparou-se com uma história de não-amor: o não-amor do companheiro, pai da criança; o não-amor próprio; o não-amor da mãe. Ao mesmo tempo, a médica também compreendeu o esforço daquela mulher para cuidar de sua filha, seja por meio da atenção com sua alimentação ou vestuário.
No final do texto, Júlia Rocha faz uma reflexão sobre os tipos de relações de violência e superação que são construídas no cotidiano.
“Laura, vou te falar uma coisa que tá aqui dentro do meu coração. Não quero te ofender ou ofender a sua família. É com todo carinho que te falo: a gente só consegue dar o que tem. Pra dar amor, a gente precisa se sentir amada. Por outro lado, olha a história linda de superação que você está me contando: sua bisavó batia e machucava os filhos. Talvez por que tenha aprendido que isso era o correto a se fazer. Sua avó superou essa violência mas não conseguiu criar vínculos de amizade e carinho com sua mãe. Sua mãe já consegue conversar com você e, do jeito dela, te orienta e tenta te ajudar. Já, você está dando um salto enorme em busca desse entendimento. Você foi capaz de sofrer a dor da internação da sua filha, de se preocupar com a alimentação, com a roupinha, com o cabelo, com o perfume. Você já ama sua filha. Ninguém faz isso sem amor. Provavelmente, quando a sua filha tiver o neném dela, amar e cuidar será algo muito mais natural pra ela, por que ela vai se lembrar de tudo que você fazia por ela quando ela ainda era uma bebezinha!”
A médica é conhecida nas redes sociais por compartilhar textos e experiências vividas durante os seus atendimentos em postos de saúde públicos. Em agosto, ela foi alvo de racismo por ter rebatido com muita delicadeza o deboche do colega de profissão, Guilherme Capel Pasqua, que disse não existir “peleumonia”.
Com um poema, a médica mineira fez uma postagem criticando a postura do colega que debochou de um paciente. Guilherme foi demitido do Hospital Santa Rosa e Lima, em Serra Negra, interior de São Paulo, após tirar uma foto com um receituário onde escreveu “Não existe peleumonia nem raiôxis”.
Apesar do grande apoio que recebeu após a postagem, Júlia foi alvo de ofensas sexistas e racistas de outros usuários que criticaram a alfinetada da mulher ao médico demitido.