(O povo, 29/03/2016) Mesmo famílias com planos de saúde relatam ter ouvido conselhos sobre buscar atendimento na rede pública e têm dependido do SUS.
“Clarice é uma promessa de Deus em minha vida e eu não vou medir esforços para ir em busca de tudo o que ela tiver direito”. Após 15 anos da última gravidez, Eroneide de Carvalho, 32, luta contra as dificuldades para conseguir tratamento para a filha. Clarice, hoje com dois meses, é uma das 417 crianças notificadas com suspeita de microcefalia associada ao zika vírus no Ceará. Mesmo tendo plano de saúde, ela teve o acompanhamento particular negado. “Estou pagando consultas e exames”, diz Eroneide.
Moradora do Cariri, ela entrou na Justiça contra o plano e montou uma rede de apoio com outras mulheres da região mães de crianças na mesma condição.
Em Fortaleza, uma mãe que pediu para não ser identificada também chegou a ser encaminhada à rede pública. Após descobrir a suspeita de microcefalia na gestação, o médico do plano sugeriu que continuasse o acompanhamento no Hospital Geral César Cals, no Centro. “E foi o que fiz. Fui bem atendida, de fato, mas você imagine a minha frustração. Pago a mensalidade do plano para ter garantias e acabo não tendo segurança de nada”, lamenta.
Diante de cenário incerto por causa da microcefalia, famílias buscam respostas, auxílio e tratamentos para os bebês que nasceram com a condição. No entanto, as redes pública e privada do Estado ainda precisam dar longos passos para suprir o atendimento às crianças e às famílias. Somente na última semana, cinco meses após início do surto no Estado, conseguiram, pela primeira vez, diagnosticar a relação da microcefalia com o zika em um bebê vivo no Ceará.
Médicos afirmam que má-formações congênitas associadas ao vírus são mais severas que a microcefalia causada por outras doenças. Por isso, segundo o pediatra Luiz Felipe, da rede Sarah Kubitschek, o estímulo nos três primeiros meses de vida é fundamental para melhora na qualidade de vida da criança.
Bem-querer
“Por enquanto, eu tenho buscado tudo o que me falam”, afirma Suelyne Moura, 27. Ainda na gravidez, ela descobriu que a filha Paula Ellen estava com suspeita de microcefalia. Ellen nasceu no Hospital César Cals com perímetro encefálico de 25,5 cm. O considerado adequado para o bebê de 9 meses, no nascimento, é de 31,5 cm (meninas) e 31,9 cm (meninos). “No começo a gente fica um pouco triste, mas logo que ela foi crescendo eu percebi que se movimentava bem, me olha quando eu chamo. Ela é o bem-querer da família inteira”, conta Suelyne. A primeira consulta de estimulação da menina só veio agora, um mês após o nascimento.
Ellen é a segunda filha de Suelyne. A manicure mora no bairro Planalto Ayrton Senna e conta que não pretende voltar a trabalhar tão cedo. “Quero cuidar dela, dar assistência”, diz. Por enquanto, a única renda da casa é o salário do marido, pai das crianças.
Rede de tratamento
Atualmente, a rede pública de tratamento para crianças com microcefalia no Ceará conta com os hospitais Geral Doutor César Cals, Infantil Albert Sabin, Sarah Kubitschek e José Martiniano de Alencar. Além disso, as universidades dispõem de centros de referência como a Maternidade Escola Assis Chateubriand (Meac), o Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce (UFC) e o Núcleo de Atenção Médica Integrada (Unifor).
Neste mês, a Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa) anunciou a capacitação multidisciplinar para profissionais de policlínicas do Estado. No entanto, a equipe iniciará atendimento somente a partir do mês de abril. As crianças com microcefalia seguem na espera.
417 casos suspeitos de crianças com microcefalia associada ao zika foram notificados no Ceará.
Eduarda Talicy
Acesse no site de origem: Famílias de bebês com microcefalia precisam recorrer ao SUS (O povo, 29/03/2016)