Febrasgo emite nota aos tocoginecologistas brasileiros sobre o aborto legal na gestação decorrente de estupro de vulnerável

22 de junho, 2022

A FEBRASGO, por meio da Comissão Nacional Especializada (CNE) de Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei, vêm a público manifestar-se diante do recente caso publicado na mídia sobre o impedimento de acesso ao aborto legal a uma menina de 11 anos, vítima de estupro, no estado de Santa Catarina, informando aos tocoginecologistas brasileiros o que segue:

 

  1. O Código Penal brasileiro não estabelece limite de idade gestacional para os permissivos legais ao aborto induzido (gravidez resultante de estupro, risco de vida à gestante e anencefalia fetal);
  2. O Código Penal brasileiro tipifica no seu artigo 217-A o crime de estupro de vulnerável, nos seguintes termos: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. Portanto, diante de uma gravidez em menor de 14 anos, deve ser oferecida a opção da interrupção da gravidez por ser decorrente de estupro, caso esse seja o desejo da menor;
  3. Na infância e na puberdade, a menina ainda não concluiu seu processo de maturidade cognitiva, psicossocial e biológica.[1] Diante de uma gravidez, essa condição de imaturidade biológica da adolescência precoce traz como consequência uma maior taxa de complicações obstétricas, tais como anemia, pré-eclâmpsia e eclâmpsia, diabetes gestacional, parto prematuro e partos distócicos. As taxas de mortalidade materna entre as gestantes menores do que 14 anos chegam a ser 5 vezes maiores do que entre gestantes entre 20-24 anos[2];
  4. Nos casos já previstos em lei (gravidez resultante de estupro, risco de vida à gestante e anencefalia fetal), não há necessidade de solicitar autorização judicial para o tratamento. O atraso do tratamento coloca em risco a saúde das meninas e mulheres que já têm o direito garantido e provoca desnecessária insegurança jurídica aos profissionais de saúde. O consentimento da menor e a autorização de um dos pais ou responsável, em cumprimento à portaria GM/MS 2561/2020 são suficientes.
  5. O conceito de aborto induzido é a “perda intencional da gravidez intrauterina por meios medicamentosos ou cirúrgicos[3], e não tem relação com viabilidade fetal, ou seja, não está atrelado à idade gestacional ou peso fetal;
  6. Os limites estabelecidos em manuais ou normas técnicas do Ministério da Saúde são infralegais e devem ser superados a partir das evidências científicas e recomendações das sociedades da especialidade. A FEBRASGO, em seus documentos técnicos, como o Protocolo nº 69 “Interrupções da gravidez com fundamento e amparo legais”[4], a exemplo das diretrizes da FIGO[5] e a Organização Mundial da Saúde[6], não limita a assistência a meninas e mulheres em situação de aborto legal à idade gestacional. Há, inclusive, orientações sobre a dose do tratamento adequado para o aborto induzido em idades gestacionais mais avançadas;
  7. Para os casos acima de 22-24 semanas, é recomendada a indução de assistolia fetal por profissionais habilitados anterior à indução do aborto. Para que esse cuidado se efetive, deve-se articular a rede de atenção, com a existência de especialistas com treinamento em indução de assistolia fetal nos serviços de referê

A FEBRASGO recomenda a todos os tocoginecologistas brasileiros, em especial àqueles que atuam em serviços de referência ao aborto legal, a adequação de seus protocolos e serviços.  Defendemos os direitos civis, reprodutivos e constitucionais das meninas, adolescentes e mulheres brasileiras.

[1] Azevedo WF, Diniz MB, Fonseca ES, et al. Complications in adolescent pregnancy. Einstein. 2015;13(4):618-626

[2] Conde-Agudelo A, Belizán JM, Lammers C. Maternal-perinatal morbidity and mortality associated with adolescent pregnancy in Latin America: Cross-sectional study. Am J Obstet Gynecol. 2005;192(2):342-9.

[3] World Health Organization (WHO). International Classification of Diseases 11th Revision. The global standard for diagnostic health information. Disponível em: https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http://id.who.int/icd/entity/1517114528. Acesso: 21 junho 2022.

[4] Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Interrupções da gravidez com fundamento e amparo legais. Protocolos Febrasgo. Obstetrícia nº 69. São Paulo: FEBRASGO, 2021.

[5] International Federation of Obstetrics and Gynecolgogy (FIGO). FIGO Statement: FIGO Calls for the Total Decriminalisation of Safe Abortion. Disponível em: https://www.figo.org/resources/figo-statements/figo-calls-total-decriminalisation-safe-abortion#:~:text=FIGO%20calls%20for%20the%20total%20decriminalisation%20of%20safe%20abortion%2C%20and,%2C%20coercion%2C%20violence%20and%20discrimination. Acesso: 21 junho 2022.

[6] World Health Organization (WHO). Abortion care guideline. Geneva: WHO, 2022.License: CC BY-CC-SA 3.0 IGO.

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