Slogan da campanha será “Adolescência primeiro, gravidez depois”. Para ministros, debate sobre adiamento da vida sexual será contemplado.
(HuffPost Brasil, 03/02/2020 – acesse no site de origem)
Com o slogan mais sutil “Tudo tem seu tempo: Adolescência primeiro, gravidez depois” e sem mencionar “abstinência sexual” diretamente, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, apresentaram nesta segunda-feira (3), campanha que visa prevenir a gravidez precoce no País.
“Nós conversamos e tivemos a coragem de dizer: nós vamos falar sobre retardar o início da relação sexual. Trazer todo o bojo de métodos preventivos que já existem e também o ‘reflita, pense duas vezes’”, disse a ministra Damares Alves, na apresentação da campanha que, em seu material formal, não menciona preservativos e outros métodos de prevenção.
O lançamento marca a Semana Nacional de Prevenção à Gravidez Precoce, criada em janeiro do ano passado. De acordo com os ministérios, serão investidos R$ 3,5 milhões na campanha, que tem objetivo de “conscientizar os jovens e adolescentes sobre os riscos e consequências de uma gravidez não planejada, promovendo a reflexão sobre o desenvolvimento afetivo e autonomia para as melhores decisões”.
“Um ano de conversa [com o Ministério da Saúde]. Isso não nasceu num insight, numa loucura de uma ministra moralista, fundamentalista”, pontuou Damares. “Um ano conversando, porque a gente precisava e precisa mudar os números que estão postos (de gravidez na adolescência). Nós buscamos inúmeras propostas. Nós conversamos com todo mundo: com especialistas, com pais, com adolescentes”, completou.
Na apresentação, os ministros foram questionados sobre o tom da campanha e se haveria uma menção explícita à abstinência sexual. A estratégia havia sido divulgada anteriormente, em especial, pelo Ministério dos Direitos Humanos, e duramente criticada por especialistas em saúde sexual e reprodutiva.
“A campanha fala por si. Eu acho que ela vai motivar. Quando ela fala ‘adolescência primeiro, gravidez depois’, e fala das consequências, vai motivar uma série de debates. Como é que eu previno? Um deles é, sim, ‘você chegar e dizer eu me reservo a ter a minha atividade sexual quando eu achar melhor’. E se você quiser entender isso como abstinência… Eu não entendo assim, eu entendo como um comportamento responsável”, disse o ministro da Saúde.
Em janeiro, Damares afirmou que considerava adotar a promoção da abstinência sexual como método “100% eficaz” para reduzir a gravidez na adolescência. O tema também foi discutido em seminário na Câmara dos Deputados em dezembro do ano passado, com participação de integrantes do Executivo e tem inspiração no movimento religioso “Eu Escolhi Esperar”.
De acordo com o jornal O Globo, uma nota técnica do MMFDH afirma que o início precoce da vida sexual leva a “comportamentos antissociais ou delinquentes”, ao “afastamento dos pais, escola e fé” e que ensinar métodos contraceptivos para essa população “normaliza o sexo adolescente”.
Ainda segundo a reportagem, o Ministério da Saúde, por sua vez, sustenta que a educação sexual não é um estímulo à atividade e sim uma maneira de produzir insumos para que os jovens façam a escolha mais alinhada às suas expectativas.
Após reações negativas, inclusive de integrantes da pasta comandada por Mandetta, Damares passou a afirmar que a defesa do adiamento do início da atividade sexual seria apresentada como uma alternativa, mas que as campanhas incluiriam informações sobre outros métodos contraceptivos, como a camisinha.
A ação apresentada nesta segunda conta com uma peça publicitária em vídeo em que mostra jovens no ambiente universitário e em ambientes esportivos com a intenção de estimular o que os ministros chamaram de “plano de vida”. Em conjunto, a hashtag “Tudo tem seu tempo” está sendo divulgada em redes sociais oficiais do governo e um outdoor foi exposto na Câmara dos Deputados.
Damares minimizou críticas e, em tom irônico, destacou o trabalho da imprensa na cobertura do tema que, nas últimas semanas, foi alvo de críticas e polêmica. “Eu queria fazer um agradecimento especial à imprensa (…). Muitos especialistas foram entrevistados – como tem especialista no Brasil! Mas eu achei extraordinário que, durante as férias, a gente fez muita gente pensar sobre isso”, disse.
A ministra completou dizendo que, segundo ela, há muitos temas que dividem a sociedade com um “ingrediente ideológico”. “E estamos falando de vida. E isso precisa nos unir. Quando a gente fala de gravidez na adolescência, a gente fala de idade de 15 anos, eu quero falar da menina de 11 anos”, disse.
Nos slides apresentados, o Ministério da Saúde reforçou que “todo adolescente pode procurar o serviço de saúde, mesmo sem estar acompanhado dos responsáveis”. Sem a presença do MEC (Ministério da Educação), material da campanha destaca que, em 2019, foram realizadas 26,8 mil ações de saúde sexual, reprodutiva, planejamento familiar e prevenção de infecções junto a 1,5 milhões de estudantes em mais de 10 mil escolas pelo País.
Apesar de não incentivá-los na campanha, o ministério destacou que o SUS (Sistema Único de Saúde) oferece métodos contraceptivos que permitem o planejamento familiar incluindo pílula do dia segunda e DIU (Dispositivo Intrauterino) e outros que protegem contra infecções sexualmente transmissíveis. Além disso, foi anunciada a distribuição de 570 milhões de preservativos femininos e masculinos no País.
“O que estamos acrescentando na política? Reflita. Pense. Olha o momento da vida. Olha a hora da adolescência. Converse com a sua família, com os seus amigos, converse com os jornalistas. Converse com quem está botando esse debate em rede nacional. Não há nenhuma política no Ministério da Saúde que seja única. A comportamental é importante, sim. E nunca foi feita”, disse Mandetta.
Sem dar muitos detalhes, a titular da pasta da Família, Mulher e Direitos Humanos afirmou que esta deve ser uma política contínua e a longo prazo.
“Nós estamos lançando hoje a campanha de prevenção à gravidez precoce. O que estou falando agora é de sexo precoce. Nós vamos continuar conversando com o Brasil sobre prevenção ao sexo precoce. Isso não se encerra numa campanha, não se encerra em um dia, não se encerra no material publicitário. Isso é uma campanha por muito e muito tempo e, digo, por gerações”, disse.
Até o fim do ano, o ministério comandado por ela deve lançar o “Plano Nacional de Prevenção ao Risco Sexual Precoce”, que, na abordagem descrita por Damares, está a preparação de cartilhas para serem distribuídas nas escolas e propostas que “não cantem só a exaltação do sexo para as novinhas.”
Segundo a pesquisa Nascer Brasil, publicada em 2015 pelo Ministério da Saúde, a gravidez é indesejada em 66% dos casos entre adolescentes.
“Vamos sim para cartilhas, para escolas, para rodas de conversa com adolescentes. Vamos convidar a arte, as músicas, em vez de cantar só a exaltação do sexo para as novinhas, por que não vir novas músicas? Por que não ao invés de sexualizar as novinhas, não cuidar das novinhas?”, pontuou.
Na apresentação, além dos ministros, estavam presentes a secretária-executiva da Mulher, Família e Direitos Humanos, Tatiana Alvarenga, o secretário de Atenção Primária, Erno Harzheim, e o também secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício Cunha.
Dados consolidados sobre gravidez precoce, apresentados na coletiva, apontam que, em 2018, houve 434 mil nascimentos de bebês com mães com idade entre 15 e 19 anos, o equivalente a 15% dos nascidos vivos.
Apesar de alto, o percentual de casos de gravidez na adolescência tem tido queda nos últimos anos. Entre 2000 e 2018, a redução foi de 40%. Porém, este número caiu apenas 27% em menores de 15 anos, indica o ministério.
“Este é um contingente de 11, 12, 13 anos que nunca ninguém quis falar sobre”, disse o ministro, ao pontuar que essa faixa etária deve ser uma das prioridades da campanha lançada nesta segunda. O material da campanha não estipula qual a idade do público alvo que a medida vai atingir.
Segundo a pesquisa Nascer no Brasil, publicada em 2015 pelo Ministério da Saúde, a gravidez é indesejada em 66% dos casos entre adolescentes.
Dados da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância, órgão das Nações Unidas (Unicef), citados no lançamento da campanha, apontam que 75% das mães adolescentes abandonam a escola e que 15,3% dos óbitos de bebês são registrados a cada mil nascidos vivos de mães jovens até 19 anos.
No Brasil, a taxa de adolescentes grávidas é de 68,4 para cada grupo de mil jovens do sexo feminino na faixa etária entre 15 e 19 anos. O índice ultrapassa a taxa mundial, que corresponde a 46 adolescentes grávidas para cada grupo de mil, de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas).
Por Andréa Martinelli, editora sênior, HuffPost Brasil