(El País, 11/08/2016) Menor denuncia padrasto pelo abuso sexual, mas não pode interromper a gestação por causa de lei
A gravidez de uma menina de 11 anos que denunciou por estupro seu padrasto, de 41, inflamou novamente o debate sobre o aborto no Chile. A menor, moradora da localidade de Villarrica (sul do Chile), está na 20ª. semana de gestação, segundo peritos que a examinaram. Ela lhes relatou os abusos aos quais era submetida quando ficava sob os cuidados do homem.
Professores notaram mudanças físicas e comportamentais na menina. Nesta segunda-feira, ela revelou as reiteradas agressões cometidas pelo cônjuge da sua mãe, que a ameaçara para que não contasse o que estava ocorrendo. Paralelamente, a mãe da menor denunciou os fatos à Polícia de Investigações de sua cidade. Confirmada a gravidez, a promotoria de Villarrica determinou a prisão do homem, que deve ser formalmente acusado na Justiça nesta quinta-feira.
Em um país onde a interrupção da gravidez, independentemente das circunstâncias, é proibida desde 1989, nem as vítimas nem suas famílias costumam pedir publicamente o aborto, pois essa não é vista como uma alternativa possível.
Como compromisso do seu programa de Governo neste segundo período (2014-2018), Michelle Bachelet prometeu uma lei que despenalize o aborto em três circunstâncias: risco de vida para a mãe, malformação fetal e estupro. A medida atingiria apenas 5% dos 70.000 abortos clandestinos feitos anualmente no Chile.
Em janeiro de 2015, o projeto de despenalização começou a tramitar na Câmara dos Deputados. Após um ano de debate, os deputados o aprovaram preliminarmente em março, mas após cinco meses continua sendo discutido na comissão de Saúde do Senado. A previsão é de que as audiências com especialistas terminem nas próximas semanas.
O debate é intenso no Congresso e também nas ruas, onde cada vez mais aparecem casos como o da menina de Villarrica, colocando a lei do aborto nas manchetes da mídia chilena. Sua aprovação, em todo caso, tampouco mudaria o destino da jovem. O projeto de lei estipula, em caso de estupro – circunstância mais polêmica entre as três –, um prazo de 12 semanas de gestação para a interrupção, podendo se estender a 14 semanas quando a mãe é menor de 14 anos. Com suas 20 semanas de gestação, a menina já não poderia abortar.
Organizações feministas e de direitos humanos novamente se mobilizaram neste caso. Para Camila Maturana, da Corporação Humanas, “este tipo de situações infelizmente revela a magnitude da violência sexual no Chile, sobretudo contra as meninas e adolescentes que estão numa situação de maior vulnerabilidade”. “Formulamos um apelo ético aos legisladores para que olhem esta realidade trágica. É urgente aprovar rapidamente o projeto de lei do aborto em três circunstâncias e a revisar o conteúdo do que está sendo debatido, porque determinados aspectos não contribuem necessariamente para a proteção das vítimas”, diz Maturana.
Há poucos dados quantitativos sobre gestações resultantes de estupros no Chile. A especialista em ginecologia infantil e adolescente Andrea Huneeus ofereceu cifras reveladoras numa audiência parlamentar em 2015. Em entrevista à revista Paula, ela contou que “66% das grávidas por estupro são menores de idade, e 11% têm menos de 12 anos. Ou seja, são meninas”. Segundo a especialista, em 90% dos casos são engravidadas por algum familiar ou conhecido. “Pelas condições de vulnerabilidade que se apresentam entre as menores de idade grávidas por estupro, o ideal seria deixar sem limitação de tempo”, disse Huneeus à Paula.
Rocío Montes
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