(O Globo, 23/02/2015) O “clube do carimbo”, que prega na web a disseminação do HIV entre gays, pode ser considerado incitação a crime, diz OAB
Disseminado pela internet, o “Clube do Carimbo”, em que soropositivos pregam através de blogs e sites a contaminação de HIV para pessoas sem o vírus, ganhou o repúdio de representantes da comunidade LGBT e foi criticado por especialistas. Espalhados em páginas da internet, homens com Aids dão dicas de como transmitir a doença para pessoas saudáveis. As motivações variam desde a sensação de aventura até a ideia de que, se todos fossem infectados, a Aids não seria mais um problema social.
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— Esse comportamento de grupos isolados não reflete o que pensam as pessoas da comunidade LGBT, que, segundo pesquisas, estão entre as que mais usam camisinha e conhecem formas de prevenção combinada. Mas, infelizmente, a prática perigosa reforça um estigma. A Aids já foi tachada como o “câncer dos gays” no início da epidemia. Por isso, é preciso dar especial atenção a problemas como esse — lamenta Julio Moreira, presidente do Grupo Arco-íris. — Mas o chamado bareback , que é o sexo sem camisinha, também é feito por heterossexuais.
O termo bareback é justamente o que mais aparece em sites que pregam a prática. Alguns deles já foram retirados do ar, mas as instruções se disseminaram como um vírus pela internet. Em um dos sites visitado pelo GLOBO, o autor enumera passo a passo como criar mecanismos para “carimbar” as novas vítimas. Autodenominados de “vitaminados”, os portadores do vírus que pregam a prática on-line também sugerem as melhores épocas do ano, como as férias, para conquistar mais vítimas. Na página visitada, ao final da postagem, o autor afirma que sua publicação não pode ser enquadrada como um crime.
“Este texto é só uma ideia. Comentado nacionalmente e internacionalmente, um fato que ocorre e que não quer dizer que eu faça isso. Praticar sexo bareback (sem camisinha) não é considerado crime. O que é crime, segundo os artigos 130, 131 e 132 do Código Penal brasileiro, é uma pessoa transmitir doenças sexualmente transmissíveis para outra (com provas concretas), e a pena para esse crime é de 3 meses a um ano de cadeia.”
A posição do blogueiro não é compartilhada pelo presidente da Comissão de Direito Penal da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), Pedro Paulo de Medeiros. Segundo o advogado, a intenção é o que determina a pena:
— Pune-se pela intenção e não pelo ato. Além disso, este tipo de publicação e prática pode ser considerada como incitação ao crime — afirma Medeiros. — Já que o portador da doença usa alguma das técnicas apontadas sabendo do risco que o outro vai correr, pode ser enquadrado em homicídio com dolo eventual ou qualificado. Afinal, quem transmite a doença sabe de suas consequências. Ou seja, vai além dos artigos citados pelo blogueiro que só falam da exposição da vida de outro a algum risco.
Em outra página web, os praticantes chegam a marcar encontros em casas noturnas para sexo em grupo — sendo que alguns têm a doença e outros não. Os que não a possuem são divididos entre os que sabem que correm o risco de transmissão, chamados de bug-chasers (caçadores de vírus), e os que não têm ciência disso. Em comentários de outros usuários do site, as orgias mescladas são chamadas de “roleta-russa” do sexo.
— O risco é simples: sem camisinha você está exposto. Não existe uma probabilidade fechada, como a coisa fosse uma roleta-russa. Sem prevenção, há sempre um risco. Evidentemente, existem cuidados que complementam o uso do preservativo, mas ele é o principal — afirma Sandra Araújo, epidemiologista especializada em DSTs pela Universidade de São Paulo.
Raphael Kapa
Acesse o PDF: Grupo LGBT e especialistas repudiam sites que promovem sexo sem camisinha (O Globo, 23/02/2015)