Ativistas de privacidade dizem que sites falsos e o rastreamento de localização são utilizados para tentar restringir o acesso de mulheres à saúde sexual e reprodutiva
(O Globo/Celina, 26/04/2020 – acesse no site de origem)
LONDRES. De sites falsos ao rastreamento de localização, grupos anti-aborto estão usando dados e tecnologia para restringir o acesso de mulheres à saúde sexual e reprodutiva, dizem ativistas da privacidade.
Como os bloqueios por coronavírus fecham as clínicas de planejamento familiar e ameaçam os direitos ao aborto em todo o mundo, um relatório da instituição Privacy International pede salvaguardas contra a exploração de dados que interfiram no corpo de uma mulher e nas suas escolhas reprodutivas.
Os grupos anti-aborto mencionados no relatório não foram encontrados pela Thomson Reuters Foundation para comentar.
Aqui estão alguns destaques do estudo:
Quem está usando a tecnologia?
Grupos anti-aborto visam mulheres para minar e explorar seus dados, diz o relatório, compartilhando informações com organizações com ideais semelhantes e divulgando informações enganosas online.
Por meio de serviços de chat incorporados em sites de clínicas e sites falsos, os grupos coletam dados pessoais, incluindo opiniões sobre o aborto, de usuárias que procuram aconselhamento online sobre gravidez.
Eles acessam dados de geolocalização, uma tecnologia de rastreamento amplamente disponível, e dados sobre vida sexual ou menstruação ao financiar aplicativos de contracepção, de acordo com o relatório.
Essas informações são compartilhadas com uma rede de clínicas de planejamento familiar que desencorajam o aborto, inclusive em alguns países onde o aborto é proibido.
Qual o impacto na saúde da mulher?
Grupos anti-aborto encontram mulheres que já estão dentro das clínicas usando a tecnologia de rastreamento de localização e enviam mensagens projetadas para semear dúvidas sobre sua decisão, diz o relatório.
Eles também têm como alvo as mulheres jovens nas mídias sociais com anúncios anti-aborto, incluindo aqueles de pílulas de “reversão do aborto”, medicamentos duvidosos que inundam o corpo de uma mulher com hormônios destinados a combater os efeitos de uma pílula para aborto.
No relatório, Monica McLemore, professora associada da Universidade da Califórnia, chama o produto de “cientificamente impreciso” e “não conhecido por ser seguro ou eficaz.”
Os grupos espalham informações erradas, esperando adiar a decisão de uma mulher que considera o aborto até que seja tarde demais para agir, muitas vezes sob o pretexto de oferecer conselhos objetivos ou oficiais do governo.
“O nível de organização e determinação desses grupos anti-aborto é aterrador”, disse um porta-voz da Rede de Apoio ao Aborto, uma instituição de caridade que apoia o acesso à interrupção voluntária da gravidez.
“A maneira como eles são capazes de replicar seus sites, processos, linguagem e imagens, buscando intimidar, assustar e atrasar os que buscam o aborto, é preocupante.”
O coronavírus mudou a situação?
O aumento da dependência de ferramentas online durante o confinamento global imposto pelo coronavírus expande a oportunidade de exploração desses dados, dizem os especialistas.
“Sabemos que mais mulheres estarão buscando informações e suporte online por causa do fechamento de hospitais e clínicas”, informou o Serviço Britânico de Consultoria em Gravidez.
“Isso dá às organizações anti-escolha (contra o aborto) mais oportunidades para interceptar e redirecionar as mulheres que procuram atendimento para interromper uma gravidez.”
O que pode ser feito?
Especialistas em saúde dizem que o ônus não deve recair sobre as mulheres para policiar sua própria privacidade. Em vez disso, as organizações devem ser responsabilizadas quando violarem as regras.
“Aqueles que procuram informações, serviços e assistência em saúde reprodutiva não precisam se tornar especialistas técnicos para se protegerem das tecnologias de exploração de dados que estão sendo desenvolvidas para atrasar ou restringir seu acesso a direitos reprodutivos”, disse a representante do setor na Privacy International, Sara Nelson, à Thomson Reuters Foundation.
Um porta-voz do Facebook disse que estava investigando os anúncios sinalizados no relatório, mas “não permite que os anunciantes façam reivindicações enganosas ou enganosas sobre os serviços que prestam, inclusive em relação a abortos.”