Segundo José Miguel Vivanco, ainda é uma incógnita se Argentina e demais países da região vão aderir à mesma disposição de países desenvolvidos
(O Globo, 14/06/2018 – acesse no site de origem)
A aprovação na Câmara argentina do projeto de legalização do aborto foi considerado um passo importantíssimo dado pelo país por organizações internacionais como a Human Rights Watch (HRW). Em entrevista ao GLOBO, o diretor para as Américas da HRW, José Miguel Vivanco, assegurou que “a criminalização do aborto não limita os abortos, senão que os torna ilegais e inseguros, vulnerabilizando a vida e a saúde das mulheres”. Vivanco destacou a decisão do presidente Mauricio Macri de promover o debate e disse esperar que outros governos da região façam o mesmo.
Qual é sua opinião sobre as campanhas a favor e contra o aborto legal?
Acho que é extraordinário que exista um debate amplo e democrático sobre as diferentes posturas acerca de um tema que desperta tantas paixões. Na Argentina isso se viu, tanto no Congresso como nas ruas e meios de comunicação, e é uma boa notícia. Nossa posição é clara sobre a necessidade de legalizar o aborto para que a Argentina cumpra com suas obrigações jurídicas internacionais em relação aos direitos humanos. Mas todas as opiniões devem ser ouvidas e respeitadas.
O presidente Macri defendeu o debate, mas não expôs sua posição. O senhor acha que foi um erro?
A posição de Macri, ao permitir este debate na Argentina, apesar de que ele seja contra a legalização, é digna de um democrata. Seria bom que tivéssemos mais líderes na região que, sem pertencer à esquerda, abrissem as portas para discussões desse tipo.
Quais são os pontos mais importantes do projeto?
Os avanços do projeto são a legalização do aborto sem restrições até as 14 semanas de gestação e que permite às mulheres abortar depois desse prazo em casos nos quais seja diagnosticada a inviabilidade da vida extrauterina do feto. Também continua vigente, depois das 14 semanas, a possibilidade a abortar legalmente em casos previstos na legislação atual, como estupro ou risco de vida ou de saúde para a mulher.
Se esta lei for aprovada, o senhor acredita que outros países da região poderiam seguir o mesmo caminho?
Existe uma tendência global em relação à descriminalização do aborto. Num recente estudo científico, o Guttmacher Institute mostrou que, desde o ano 2000, pelo menos 28 países reformaram sua legislação sobre aborto. Todos, com exceção da Nicarágua, ampliaram as disposições legais para permitir abortos e proteger a saúde da mulher seja por motivos socioeconômicos ou para autorizar abortos sem restrições durante um período específico. Houve avanços na região, por exemplo no Chile, onde no ano passado deixou de existir a proibição absoluta sobre aborto. A grande incógnita é saber se a Argentina e os demais países da região onde está vigente uma legislação restritiva sobre esta questão poderão aderir à tendência global de países desenvolvidos.
Quais seriam as consequências mais graves se o projeto não passar no Senado?
A Argentina manterá o cruel status quo que faz com que a vida e a saúde de suas mulheres esteja muito vulnerável. De acordo com estatísticas oficiais do Ministério da Saúde, mais de 17% das 245 mortes de mulheres grávidas em 2016 foram causadas por abortos. O aborto é a principal causa de mortalidade materna no país. A criminalização do aborto não limita os abortos, senão que os torna ilegais e inseguros, vulnerabilizando a vida e a saúde das mulheres.
Este debate é parte de uma campanha mais ampla de grupos feministas na região. Por que o senhor acredita que o feminismo está vivendo este momento de tanta luta nas ruas de países como Argentina e Chile?
Não se trata, necessariamente, de uma luta do feminismo militante. É uma demanda de diferentes setores da sociedade para proteger o direito das mulheres.
Qual é o principal argumento da defesa do aborto legal?
Podemos ter pontos de vistas muito diferentes partindo de uma visão religiosa, médica ou pessoal sobre quando começa a vida. Mas não podemos impor essa visão de uns sobre outros e a criminalização do aborto faz justamente isso. O direito internacional é claro sobre a obrigação dos Estados de garantir que as mulheres tenham acesso a abortos legais e seguros. Isso não significa que mais mulheres abortarão, mas que fazê-lo não implicará arriscar sua saúde e suas vidas. Trata-se de uma medida indispensável para proteger direitos humanos das mulheres, incluído o direito à vida, à saúde e a não sofrer tratos cruéis e degradantes.
Janaína Figueiredo