De maioria católica, país tem a legislação sobre o tema mais restritiva da Europa
(O Globo, 30/01/2018 – acesse no site de origem)
O governo da Irlanda anunciou a convocação de um referendo em maio que pode facilitar o acesso ao aborto no país conservador de maioria católica. Desde 1983, uma emenda à Constituição equaliza o direito à vida do feto ao da mulher, fazendo com que o país tenha a legislação mais restritiva de toda a Europa. A interrupção da gravidez é permitida apenas quando a gestante corre risco de vida, mas proibida em casos de estupro, incesto ou anormalidade fetal.
A consulta não irá propor uma nova legislação, apenas questionar a população se ela deseja manter ou rejeitar este artigo constitucional, conhecido como a Oitava Emenda. Antes da votação, o Ministério da Saúde irá rascunhar um projeto de lei propondo o acesso irrestrito ao aborto para mulheres até a 12ª semana de gravidez, e em condições excepcionais após este período.
A data exata para o referendo será decidida pelo Parlamento, mas o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, já anunciou sua posição a favor da reforma. Por causa das leis restritivas, milhares de irlandesas viajam a países vizinhos para interromperem gestações indesejadas. Dessa forma, apenas as mulheres que podem pagar pela passagem e estadia têm acesso ao procedimento.
“Eu sei que será uma decisão difícil para o povo da Irlanda”, afirmou Varadkar, pelo Twitter. “Eu sei que esta é uma questão pessoal e privada e para a maioria de nós não é um tema preto e branco, mas cinza. O balanço entre os direitos de uma mulher grávida e os do feto”.
Médico e ex-ministro da Saúde, Varadkar destacou que milhares de mulheres viajam anualmente para o exterior apenas para a realização de um aborto ou encomendam medicações ilegais pela internet. A atual legislação, disse o primeiro-ministro, torna o aborto na Irlanda “inseguro, não regulado e ilegal”.
“Nas últimas semanas muitas pessoas, principalmente homens, falaram sobre suas jornadas pessoais. Devemos lembrar que as jornadas mais tristes e solitárias são feitas pelas mulheres irlandesas que viajam aos milhares para encerrarem suas gestações. Essas jornadas não precisam acontecer”, afirmou o primeiro-ministro. “Se o referendo passar, será introduzido um sistema legal e seguro, liderado por médicos, para a interrupção das gestações. Seguro, legal e raro. Não mais um artigo na constituição, mas uma questão privada e pessoal entre mulheres e médicos”.
De acordo com o Departamento de Estatísticas sobre a Saúde do Reino Unido, 3.265 irlandesas deram entrada em clínicas para abortos na Inglaterra e no País de Gales apenas em 2016.
O debate sobre a proibição do aborto na Irlanda ganhou novas proporções em 2012, após a indiana Savita Halappanavar morrer no Hospital Universitário Galway. A dentista, então com 31 anos, foi internada por complicações na gestação de 17 semanas. Mesmo quando o aborto espontâneo era inevitável, ela teve o pedido de interrupção da gravidez negado e acabou morrendo.