A população brasileira não deseja que sejam encarceradas as mulheres que recorrem ao aborto. É o que aponta a pesquisa realizada pelas Católicas pelo Direito de Decidir e o Ibope Inteligência: 64% da população brasileira discorda total ou parcialmente dessa ideia. A pesquisa foi realizada em fevereiro deste ano e já teve uma primeira parte divulgada.
(Blog do Sakamoto, 10/06/2017 – acesse no site de origem)
Em tempos de desmonte da nossa jovem democracia, a luta das mulheres contra os fundamentalismos é ainda mais urgente. Comunidades de fé em várias partes do Brasil denunciam políticos que dizem agir em nome de Deus. Além disso, os projetos de lei e de emendas constitucionais que atacam a autonomia das mulheres não refletem o pensamento da maioria da população.
Nesse sentido, a PEC 29/2015 é mais um exemplo de como a bancada fundamentalista se utiliza de discursos pseudocientíficos para controlar e destruir a autonomia de milhares de mulheres brasileiras.
No Brasil, mesmo em situações em que o aborto é permitido – como no caso de estupro, risco de morte para a mulher ou anencefalia – as mulheres que recorrem à interrupção da gravidez enfrentam os mais diversos tipos de violência. Médicos que se recusam a atender mulheres em processo de abortamento mesmo que espontâneo, funcionários que chamam a polícia alegando que elas cometeram crime e o calvário de ter que viajar muitos quilômetros para encontrar um serviço público que possa atendê-las. Se alterada a Constituição, esse cenário pode se agravar. Isso porque seria criado mais um instrumento jurídico para apoiar o descaso já instalado contra as mulheres.
A Proposta de Emenda Constitucional de número 29, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), que está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, altera o artigo 5º da Constituição Federal, tornando inviolável o “direito à vida, desde a concepção”. Para além do ensaio de biologia trôpego do senador, existe uma realidade violenta e inegável na vida das mulheres brasileiras.
A aprovação da PEC – que tem apoio de seu relator, o senador Eduardo Amorim (PSDB-SE), e de outros senadores como Aécio Neves (PSDB-MG) e Antonio Anastasia (PSDB-MG), investigados na Lava Jato – provocará consequências nefastas em diversos âmbitos na sociedade, principalmente na saúde pública e no aumento do encarceramento feminino, que atinge, principalmente, mulheres negras e pobres. Na primeira parte de nossa pesquisa, vimos que 64%, ou seja, a maioria da população brasileira acredita que são as mulheres que devem decidir sobre o aborto. Os senadores parecem não dar ouvidos à opinião de milhões de cidadãos e cidadãs.
Um Estado Laico não legisla para os cidadãos ou cidadãs pautando-se por doutrinas religiosas. É nossa obrigação, como católicas e feministas, denunciar os fundamentalistas que agem na surdina sequestrando nossos direitos e obscurecendo o debate dos direitos sexuais e reprodutivos, tão caro ao avanço democrático em nosso país.