(Publica | 19/05/2021 | Por Mariama Correia)
“Quem defende a vida não pode ser a favor do aborto”; “atendimento precoce salva sua vida”. Essas mensagens estão em dez outdoors espalhados por Fortaleza (CE). A ação é do “Ainda Há Bem”, um movimento formado por médicos conservadores do Ceará que surgiu de forma um tanto misteriosa. Sem divulgar a lista de seus integrantes, lançaram, em pleno feriado da Semana Santa, uma articulada campanha de marketing, com publicações em redes sociais, mídia exterior, jornais e distribuição de alimentos em bairros periféricos. Embora se diga apartidário, o grupo, que associa aborto e um suposto tratamento precoce contra a Covid-19, tem ligações com gestores do Ministério da Saúde e com o grupo político do senador Eduardo Girão (Podemos).
Girão é autor do Projeto de Lei (PL) 5.435/2020, que ficou conhecido como “bolsa estupro”, porque queria criar um incentivo financeiro para que as vítimas de estupro não abortassem. Esse dispositivo foi retirado do PL depois da grande repercussão na mídia, mas os movimentos feministas defendem que a proposta seja cancelada por completo. “A ‘bolsa estupro’ é apenas um detalhe sórdido em um projeto cujo objetivo final é criminalizar ainda mais o aborto no Brasil”, comentou Jolúzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).
Nas redes sociais, o “Ainda Há Bem” se apresenta como um movimento estadual de médicos cristãos que pretende se tornar nacional. O site do movimento foi registrado no fim de março em nome da Inovates, uma organização que trabalha com o desenvolvimento de soluções sustentáveis para empresas. O responsável pelo domínio, de acordo com o site Registro.BR, é Gabriel Fabres Beliqui, diretor-presidente da Inovates. No registro aparece também o nome de Vinícius Nunes Azevedo, diretor do Ministério da Saúde. Ele é sócio de Gabriel Beliqui e de Anselmo Buss Júnior – o presidente da Inovates – na Inovates Consult, que tem outro CNPJ, mas o mesmo telefone e o mesmo endereço eletrônico da Inovates no cadastro da Receita Federal.
Vinícius foi nomeado diretor do Departamento de Gestão da Educação na Saúde (Deges) em julho do ano passado, ainda na gestão do ministro Eduardo Pazuello, substituído pelo médico Marcelo Queiroga em março deste ano. Chegou a ser exonerado do cargo em fevereiro pelo ministro chefe da Casa Civil, general Braga Netto, mas a decisão foi revista poucos dias depois. A reportagem procurou o Ministério da Saúde para esclarecimentos, mas não obteve retorno até a publicação.