Desde sábado (9), quando a notícia veio à tona, muito se fala sobre o caso de Janaína Aparecida Quirino, que aos 36 anos foi esterilizada sob ordem judicial. O episódio tem causado troca de acusações entre instituições do Direito para defender suas posições.
(Emais, 14/06/2018 – acesse no site de origem)
Agora a OAB de Mococa diz que a decisão foi tomada com consentimento de Janaína. O que, mesmo que seja verdade, ainda significa que não foi dela que partiu a vontade de fazer a laqueadura em primeiro lugar – como deveria ser, de acordo com a nossa legislação. Na verdade, como a análise dos autos revela,Janaína faltou a diversos procedimentos anteriores, como consultas ginecológicas. Sua vontade de realizar o procedimento médico irreversível nunca foi definitiva e absoluta. Só isso bastaria para impedir a atrocidade realizada pelo Estado em uma cidadã, mas não impediu.
Não impediu porque no Brasil tudo tem mais valor do que o desejo da mulher sobre o próprio corpo e a própria reprodução. Ter membros do judiciário que se sentem confortáveis em determinar a esterilização compulsória de uma mulher é a prova disso.
Mas não faltam outros exemplos. A mesma lei arbitrariamente ignorada no caso de Janaína determina que uma das condições para a laqueadura é que o cônjuge tem que estar de acordo (quando há cônjuge). Tanto é que a lei é super criticada pelo movimento feminista ao não pressupor que os desejos da mulher para o próprio corpo sejam prioritários.
E por falar em controle, não esqueçamos do aborto, que tem que ocorrer na clandestinidade no país, já que “em defesa da vida” ele não é legalizado. Vida de quem, né? Porque os mesmos que dizem isso ignoram todas as evidências científicas (que não são poucas) e a experiência de outros países que mostra que a legalização diminui o número de abortos e reduz drasticamente a mortalidade materna. Se de fato se importassem com a vida, seriam os primeiros a pedir a legalização, mas na verdade se importam é em controlar o corpo das mulheres, o que podemos e não podemos fazer e como podemos morrer.
Também não é por acidente que a esterilização compulsória foi realizada em uma mulher pobre e em situação de extrema vulnerabilidade. O mesmo grupo que morre dia sim dia não por conta de abortos clandestinos realizados sem qualquer condição de higiene ou pessoal especializado. São as negras e pobres as principais vítimas da misoginia enraizada no Brasil, no desejo supremo de controlar as mulheres a qualquer custo. Seja para ter filhos (proibindo o aborto), seja para não ter (com a laqueadura sob ordem judicial). Quem é o Estado para determinar quantos filhos uma mulher vai ter, à revelia de sua vontade?
Sequer cogitamos seriamente o mais difícil: educação sexual, escolha, decisão e planejamento. Isso daria muito poder às mulheres, e não há nada que assuste mais o patriarcado do que uma mulher que pode escolher livremente.