Mulheres já são 37% dos portadores do HIV no Estado do Rio

21 de novembro, 2014

(O Globo, 21/11/2014) Há 14 anos, a professora Maria Aparecida Lemos chamou os irmãos ao hospital e pediu que contassem ao resto da família a verdade: ela tinha HIV, não câncer. Há uma semana, o designer Guilherme Dore, de 24 anos, compartilhou no Facebook o diagnóstico de HIV que recebeu em 2012. Fora contaminado por um namorado. Guilherme e Aparecida são algumas das faces da epidemia de HIV/Aids no Brasil: mulheres, num fenômeno de alguns anos, e jovens de ambos os sexos. Histórias como essas dão o tom do 17º Encontro de Pessoas Vivendo com HIV/Aids, que começou na quinta-feira no Centro de Convenções da Bolsa de Valores do Rio.

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Pessoas vivendo com HIV/Aids compartilham experiências e lutas em encontro nacional (Adital, 20/11/2014)

Segundo a Secretaria estadual de Saúde, mulheres representavam 25% dos casos de HIV/Aids de 1982 a 1999 no Rio, mas chegaram a 37% em 2012. Nos primeiros anos, o Rio tinha 2,9 notificações entre homens para uma entre mulheres; em 2005, para cada 1,5 caso masculino, um era feminino. Há alguns anos essa proporção se estabilizou em 1,7. Mas, na faixa etária de 13 a 19 anos, 50,9% dos casos são entre garotas, e 49,1% entre rapazes. É justamente nesse segmento que a incidência cresce entre mulheres. Entre homens, sobe na faixa de 20 a 24 anos.

A parcela de casos entre homossexuais masculinos subiu de 24% em 2000 para 28,5% em 2012 no estado. Dore, bissexual, contaminou-se com um namorado. Para ele, integrante da Rede Estadual de Adolescentes e Jovens Vivendo e Convivendo com HIV/AIDS, criada por jovens soropositivos, assumir o HIV é uma decisão política para lutar por aquilo em que acredita.

— Acharam bacana eu ter assumido. Mas alerto: muitos acham que ter HIV significa só tomar um remédio e pronto. Não é. É sofrido. Por isso, todo mundo tem de se proteger e usar preservativo.

Existem no Brasil 718 mil pessoas com HIV/Aids, segundo o Ministério da Saúde. Desde 1996 o SUS distribui gratuitamente os medicamentos. De 1980 a junho de 2013 foram notificados 686.478 casos. Em 2012, 39.185 casos, o que mantém o HIV num patamar estável nos últimos cinco anos. Em todo o país, o aumento mais significativo foi entre homossexuais masculinos jovens. Para cada caso feminino, há 1,7 caso masculino (eram 5,5 em 1990).

— Embora alguns grupos estejam mais sujeitos, qualquer um pode contrair o HIV. O Rio tem a segunda maior taxa de mortalidade. Temos problemas, como o atraso no exame de genotipagem (que detecta a que medicamentos o vírus está resistente). Nesse encontro discutimos dificuldades e vitórias de quem vive com o HIV — afirma o psicanalista George Gouvêa, presidente do Grupo Pela Vidda-RJ, que organiza o “Vivendo”. O encontro vai até sábado.

A mulher soropositiva tem dúvidas e dificuldades particulares, avalia Mara Moreira, coordenadora do grupo feminino do Pela Vidda-RJ e representante fluminense do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas. Ter ou não ter filhos, sabendo que a doença se transmite para o feto? Como convencer parceiros sobre prevenção? No mês passado, soropositivas produziram um documento cobrando melhoras no atendimento, como a cirurgia reparadora da lipodistrofia (a distribuição desigual de gordura pelo corpo, como efeito colateral dos remédios anti-HIV).

ALERTA A UMA NOVA GERAÇÃO

Para Aparecida Lemos, o HIV trouxe uma infecção oportunista, causada pelo citomegalovírus. Cada olho foi operado cinco vezes, sem sucesso. Aparecida, professora de português, ex-diretora de escola, divorciada, independente, ficou cega dos dois olhos. Nem sombras vê:

— No caso do HIV, me sentia culpada, pois deixei de me proteger, passei a confiar num namorado e não usei preservativo. No caso da cegueira, fiquei revoltada.

Hoje, ela mora só, lava a louça, cozinha. Tem diarista duas vezes por semana e, para sair de casa, conta com a ajuda da família e de amigos. Seu recado para as mulheres é que se protejam, pois o amor não imuniza. Para os deficientes, o alerta é: não deixem que ninguém os torne mais invisíveis ainda.

O superintendente de Vigilância Epidemiológica e Ambiental da Secretaria estadual de Saúde, Alexandre Chieppe, diz que uma das prioridades hoje é a prevenção, não só com preservativo, mas com diagnóstico precoce. No Rio, há três anos existe um serviço de testagem rápida. O interessado recebe o resultado na hora e já sai com consulta marcada na rede pública. Sobre a dificuldade no acesso à cirurgia para casos de lipodistrofia, Chieppe admite as limitações e diz que só o Hospital Pedro Ernesto, da Uerj, a oferece.

Chieppe diz que o aumento de casos entre mulheres não é novo, mas a vulnerabilidade delas se mantém. Parte dos casos ocorre no ambiente doméstico, e tanto é difícil lidar com a traição como convencer parceiros da necessidade de proteção. No caso dos jovens, é uma questão de idade. Para os nascidos a partir de 2000, que não viram ídolos sofrendo nem famílias sob impacto de mortes, o HIV pode parecer algo comum, tratado facilmente — engano que pode custar muito à nova geração.

Fernanda da Escóssia

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