No dia 22 de setembro, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, relatora da ADPF 442 (arguição de descumprimento de preceito fundamental), votou a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Junto com a chegada da primavera, como a primeira flor que brota, o voto da ministra representa esperança de avanço quanto aos direitos humanos reprodutivos das mulheres brasileiras.
Em temas polêmicos e delicados, é preciso, nas argumentações, com muito cuidado, separar o joio do trigo. Para um debate qualificado, importa assumir a posição hipotética de estarmos encobertos pelo “véu da ignorância de Rawls”. Especialmente em casos como este, em que a racionalidade é maculada por preconceitos, estereótipos e tabus, vale deixar de lado nossa posição pessoal e realizar a experiência imaginária de nos colocar no lugar do outro, condição de um agir ético e humanista.
Trata-se de grande desafio: ter a capacidade de viver, pensar e decidir, buscando cuidadosamente selecionar, num vasto mar de ideias e valores historicamente sedimentados, aqueles que respeitem a dignidade humana, fundamento da nossa República, que respeitem o outro, o diferente.
A ministra Rosa Weber afirmou em seu voto: “a maternidade é escolha, não obrigação coercitiva”. Ou seja, deve ser vivida pelas mulheres como um direito, não como uma imposição.
Na perspectiva da interseccionalidade, criminalizar a prática do aborto consentido é amplamente discriminatório. Fere a autonomia, os direitos humanos e a liberdade fundamental de todas as mulheres: “representa forma de violência institucional contra a integridade física, psíquica e moral da mulher, colocando-a como instrumento a serviço das decisões do Estado e da sociedade, mas não suas”. Pior, afeta de maneira diferente aquelas mulheres que, por sua condição existencial, se veem obrigadas a recorrer a um aborto inseguro, se arriscando entre a prisão e a morte, o que representa grave violação à equidade e à justiça. Fatores sociais, como vulnerabilidade econômica, raça, etnia, idade, origem e deficiência, afetam desproporcionalmente a vida das mulheres.