(Uirá Machado, da Folha de S.Paulo) Tema não é competência municipal, mas polarizou eleição presidencial. Sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, o pré-candidato afirma que é preciso respeitar posição favorável do STF
Pré-candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad afirmou ontem que é contra o aborto. É a primeira vez que ele se posiciona sobre o tema desde que começou sua pré-campanha.
Durante entrevista ao portal Terra, Haddad foi questionado sobre união civil entre pessoas do mesmo sexo e aborto, tema bastante abordado na eleição presidencial de 2010 entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB).
Discussões sobre o aborto também têm gerado atritos entre o governo Dilma e congressistas evangélicos.
“Penso que temos que respeitar a Constituição, no caso da união civil. E, no caso do aborto, eu pessoalmente sou contra”, disse o ex-ministro da Educação, citando decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a união homossexual.
Ele ressalvou, porém, que estava falando sobre aborto do ponto de vista masculino. “As mulheres enfrentam os desafios da vida de maneira própria.”
Haddad não justificou ou detalhou sua posição, mas disse qual seria a opção aos problemas de saúde pública.
“A sociedade tem que diminuir o número de abortos. Temos que evoluir, temos que estabelecer políticas públicas oferecendo às mulheres condições de planejar suas vidas.” O aborto está entre as principais causas de mortalidade materna do Brasil.
Em sua resposta, o ex-ministro não falou sobre alterações na legislação sobre o aborto, tema que não é da competência dos municípios.
O petista aproveitou também para atacar o ex-governador José Serra, que, ao se registrar nas prévias do PSDB, definiu a eleição paulistana como um embate entre “duas visões distintas de Brasil”.
“Estamos interessados em propostas para a cidade. (…)Quero saber o que será da cidade em 2016.”
Acesse em pdf: Haddad diz que, sob ótica masculina, é contra aborto (Folha de S.Paulo – 01/03/2012)
Leia também: Petista critica oposição por uso político da religião (O Estado de S. Paulo – 01/03/2012)
Religião eleitoral, editorial da Folha de S.Paulo
Não se deve desprezar, numa disputa política, a influência das lideranças religiosas sobre o comportamento do eleitorado. Natural, assim, que os prováveis candidatos à eleição municipal levem em conta esse fator em suas alianças.
É legítimo que cada grupo confessional procure conformar as atitudes do poder político ao que considera adequado em termos de educação, saúde ou vida familiar. Nota-se, entretanto, uma importância desproporcional da discussão religiosa neste início de campanha para a Prefeitura de São Paulo.
Questões como aborto e união homossexual podem ter relevância, para o eleitor, quando se trata de conhecer as convicções íntimas de cada político; pouco ou nenhum impacto exercem, contudo, sobre as ações de um prefeito com relação a transporte público, assistência de saúde ou coleta e reciclagem de lixo, para citar alguns dos problemas da cidade.
A agenda de inspiração religiosa lança os candidatos numa espécie de competição quanto às concessões, verbais ou programáticas, que estão dispostos a fazer para agradar esses setores. O problema, como ficou claro nas últimas eleições presidenciais, é que não há como fiar-se na sinceridade ou na coerência de quem se curva sem mais aquela a tais pressões.
Já se vê o petista Fernando Haddad atrapalhar-se nesse campo, declarando ser contra o aborto, “de uma ótica masculina”. Ótica eleitoral seria um termo mais correto para qualificar sua ponderação.
Usa-se contra a candidatura Haddad, por outro lado, o famigerado “kit gay” produzido em sua gestão no MEC, como se fosse crime criar peças publicitárias para combater o preconceito contra homossexuais. Em passado não muito distante, combatiam-se as aulas de educação sexual.
Tudo seria razoável se a questão religiosa fosse algo a ser resolvido pelo debate de ideias. Constata-se, todavia, que se trata de mera moeda de troca numa barganha mais impura: a dos cargos na futura administração municipal -e no governo Dilma também.
Se alguma razão existe para conceder o Ministério da Pesca a um senador da bancada evangélica, é que os altos prelados do petismo -a começar do cardeal Luiz Inácio Lula da Silva- houveram por bem ungir como candidato o intelectual de índole marxista Haddad.
As múltiplas convicções religiosas da população -que têm papel restrito num Estado laico- terminam, na verdade, sendo desrespeitadas em grande estilo quando fisiologismo, hipocrisia e desconversa assumem o primeiro plano.
Acesse em pdf: Religião eleitoral, editorial (Folha de S.Paulo – 02/03/2012)