(Ana Celia Ossame, de A Crítica) Desde a implantação do Serviço de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Savvis) em 2006, na Maternidade Municipal Moura Tapajóz, somente 30 das 2 mil mulheres atendidas pelo serviço tiveram acesso ao “aborto legal”. Esse número está bem abaixo do número de pessoas que procuram o serviço para este fim, porque quando a maioria das vítimas chega ao Savvis, a gravidez já está em estágio adiantado, o que inviabiliza o procedimento.
As informações são da médica Zélia Campos, coordenadora do Serviço. Segundo ela, se as vítimas procurassem os serviços que atendem vítimas de violência sexual dentro do período de 72 horas de ocorrida a agressão, elas teriam acesso à chamada pílula de emergência, que é uma medicação que pode evitar a concepção e, assim, não precisariam passar pela dolorosa experiência do aborto.
Quando a vítima chega dentro desse período, ela também pode fazer uso de medicações para prevenir a contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, como o HIV, Hepatite B, Gonorréia, Clamídia, Cancro Mole e Tricomoníase. De acordo com ela, de todas pacientes que chegaram dentro do período de 72 horas e que receberam medicamentos de prevenção para o HIV, nenhuma se contaminou com o vírus da Aids. O atendimento psicológico deve ser feito o mais breve possível para a prevenção da depressão e para evitar o estresse pós-traumático, o suicídio, problemas sexuais, entre outros.
Ela cita o caso de uma paciente que possivelmente se contaminou com o HIV durante a violência sexual sofrida e que engravidou. A vítima chegou após um mês do ocorrido e somente no atendimento descobriu tanto a contaminação quanto a gravidez. “Essa paciente ficou muito mal e emagreceu da noite para o dia. Esse foi um caso que foi para aborto legal e, hoje, conversando, ela mesma relata que teria feito uma loucura caso não tivesse tido acesso ao Savvis e, ao aborto previsto por lei”, relata a especialista. Zélia, que é membro da Comissão Especializada em Violência Sexual e Interrupção da Gravidez da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), revela que desse total de atendimento, a maioria foi voltada a meninas de 11 a 15 anos. Entretanto, segundo ela, o problema é que a maioria só chega ao Savvis após um grande período da agressão, o que inviabiliza não só a realização do aborto legal, mas também de outras medidas. “O aborto legal só é permitido até 20 semanas de gravidez e, quanto mais adiantada está a gestação, maior é o risco para a mulher”, explica.
Disponibilidade
A maioria das mulheres sem condição financeira ou continua com a gravidez ou procura locais inseguros para o aborto, o que pode lhe custar a vida. Zélia, que implantou o serviço do aborto legal no Instituto da Mulher e em municípios do interior como Manacapuru e Tonantins, explica não ser fácil montar uma equipe para fazer esse tipo de atendimento por ser uma clientela muito fragilizada e suscetível a diversos problemas orgânicos, sociais e psicológicos.
Por isso, segundo ela, não basta ser técnico, tem que ter aptidão e disposição para olhar o problema sem a visão tradicional de apenas medicar o paciente e mandá-lo para casa. “A violência sexual não é uma simples lesão, uma doença causada por um vírus, mas uma agressão violenta que deixa sequelas profundas”, finaliza.
Acesse em pdf: Mulheres desconhecem direito ao ‘aborto legal’ (A Crítica – 04/02/2012)