“Além disso ela confessou ter cometido o aborto. Essa ação vai servir de exemplo para a juventude da cidade prevenir a gravidez”, afirmou o promotor.
Entidades que defendem direitos da mulher criticam TJ
Já a Comissão Vida e Família da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil afirmou em nota que o ato é gravíssimo, mas que, “em determinadas situações, deve prevalecer sobre o aspecto punitivo, o de possível acolhida e tratamento”.
Em nota, a comissão diz que o governo precisa implementar políticas públicas que garantam os cuidados à gestante e à criança ainda no ventre.
“O aspecto punitivo, no entanto, não pode ser desprezado, pois é um sinalizador pessoal e social de fundamental importância, além de resguardar e proteger uma vida humana inocente e indefesa.”
Kauara Rodrigues, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), diz que nos últimos anos as mulheres voltaram a ser punidas pela prática do aborto.
Ela relembra um caso de 2007, em que quase 10 mil mulheres foram indiciadas pela prática de aborto em uma clínica de planejamento familiar em Mato Grosso do Sul.
“Essas mulheres foram vítimas de perseguição e quase duas mil delas sofreram vários tipos de violação aos direitos humanos”, diz Kauara.
Desespero. No caso de Keila, Kauara diz que o sigilo profissional envolvendo o caso da paciente foi violado – o que é ilegal. “Ela é uma mulher pobre vivendo em uma situação de absoluta marginalidade e desespero. São essas mulheres que recorrem à interrupção insegura da gravidez e são elas que são punidas”, diz.
Maria José Rosado Nunes, presidente da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir, recebeu a notícia com surpresa. “A pergunta que a sociedade deve fazer é: ‘A solução para essa mulher é prender ou cuidar?'”, disse.
Autoaborto. Para Maria José, é preciso entender as razões que levaram Keila a provocar um autoaborto. “Uma mulher só aborta quando considera que levar uma gravidez naquele momento é impossível para ela, seja por condições psicológicas, financeiras ou de abandono”, diz.
Kauara avalia, entretanto, que o fato de o aborto ter sido praticado no quinto mês da gestação pode pesar contra Keila na hora do julgamento.
“Não foi aborto, foi um parto. Isso poderá prejudicá-la. Mas não dá para dizer que essa mulher teve acesso aos meios de impedir uma gravidez. Isso é julgamento moral”, diz.
Já Maria José diz que esse fato deve ser visto como mais uma razão para discutir o tema. “Ela provavelmente só provocou esse aborto no quinto mês porque não teve meios de fazer isso antes. A mulher só faz o aborto quando encontra condições. Ela é a vítima e a sociedade deveria estar no banco dos réus.”
Enfermeira violou norma ética de sigilo
As normas do Ministério da Saúde proíbem o médico ou qualquer outro profissional da saúde de comunicar um abortamento espontâneo ou provocado à autoridade policial, judicial ou ao Ministério Público, com base no sigilo profissional entre o paciente e o profissional.
O documento Atenção Humanizada ao Abortamento deve ser seguido por todas as unidades de saúde e diz que “o não cumprimento da norma pode ensejar procedimento criminal, civil e ético-profissional contra quem revelou a informação, respondendo por todos os danos causados à mulher”.
Infração. O Código de Ética do Profissional da Enfermagem também recomenda o sigilo ético-profissional, exceto quando há autorização por escrito. Assim, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) informou, por meio da assessoria de imprensa, que a profissional pode ter cometido infração ética.
A assessoria informou que o enfermeiro está obrigado a seguir ordenamentos e protocolos, como o do Ministério da Saúde. Agora, caberá ao conselho regional da categoria fazer uma fiscalização e abrir uma sindicância para confirmar se houve ou não uma infração ética.
No caso em questão, uma enfermeira do Hospital de Base de São José do Rio Preto foi quem comunicou à polícia que Keila Rodrigues provocou um autoaborto. Como consequência, Keila foi processada e será julgada por um júri popular.
Acesse essas matérias em pdf:
Justiça acolhe recurso e manda a júri desempregada que fez autoaborto (O Estado de S. Paulo – 04/06/2012)
Entidades que defendem direitos da mulher criticam TJ (O Estado de S. Paulo – 04/06/2012)
Enfermeira violou norma ética de sigilo (O Estado de S. Paulo – 04/06/2012)