(Luís Roberto Barroso, para o Blog do Noblat) Em 17 de junho de 2004 foi distribuída a ADPF nº 54, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, com apoio técnico e institucional da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. O pedido principal é que as mulheres grávidas de fetos anencefálicos possam interromper a gestação sem a necessidade de autorização judicial, exigida atualmente.
A obtenção dessa autorização costuma ser uma batalha longa e incerta. Apenas para relembrar, a anencefalia é uma anomalia congênita que faz com que o feto se forme sem cérebro. Como consequência, ele é incompatível com a vida extrauterina.
A ADPF teve uma trajetória de idas e vindas. Em 1º de julho de 2004, o relator do caso, Ministro Marco Aurélio, concedeu uma liminar dispensando a autorização judicial. Pouco depois, em 20 de outubro, o Pleno do Supremo Tribunal Federal cassou a liminar.
Em 27 de abril de 2005, por 7 votos a 4, o STF decidiu que a ação era cabível, rejeitando o argumento de que a decisão caberia ao Congresso Nacional.
Audiências públicas realizadas em 2008 confirmaram que a anencefalia é letal em 100% dos casos e que acarreta uma gravidez de maior risco.
No julgamento do próximo dia 11 de abril, a CNTS espera que sejam acolhidos os seus argumentos. Um deles é o de que viola a dignidade da mulher obrigá-la a levar a termo uma gestação inviável. A dignidade humana significa, entre outras coisas, direito à integridade física e psicológica.
O diagnóstico da anencefalia é feito em torno do terceiro mês de gravidez. Nesse contexto, obrigar a mulher a levar a gestação a termo significa impor a ela, por seis meses, um sofrimento imenso e inútil. Ela passará por todas as transformações físicas e psicológicas da gravidez, só que, no seu caso, preparando-se para o filho que não chegará.
O parto não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte. Ela não sairá da maternidade com um berço, mas com um pequeno caixão. E terá que tomar remédios para secar o leite que produziu para ninguém.
Há registros de mulheres, nessa situação, que optaram por levar a gestação a termo. A maioria, no entanto, prefere a antecipação terapêutica do parto. A verdade é que essa é uma tragédia pessoal, um momento de grande sofrimento. Cada pessoa, nessa vida, deve poder escolher como lidar com a própria dor. O Estado não tem o direito de tomar essa decisão pela gestante, usurpando a sua autonomia de vontade e a sua alma, como se a gravidez e o sofrimento fossem dele.
Luís Roberto Barroso é professor titular de direito constitucional da UERJ e advogado da CNTS.
Acesse em pdf: O Estado não engravida, por Luís Roberto Barroso (Blog do Noblat – 09/04/2012)