(Folha de S.Paulo) A comissão de juristas encarregada pelo Senado de propor um novo Código Penal sugere que o aborto legal possa ser praticado até a 12ª semana de gravidez quando, a partir de um pedido da gestante, o “médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade”. Parece-me pouco provável que a iniciativa prospere, mas é uma tentativa interessante.
O que a comissão pretende ao associar o aborto à ideia de saúde da mulher é retirá-lo da categoria mental de assassinato, onde foi colocado por um eficiente discurso conservador, para apresentá-lo como uma questão sanitária.
Há ciência por trás dessa investida. Pesquisadores como o linguista George Lakoff sustentam que o cérebro não toma decisões analisando prós e contras de uma questão abstrata que lhe seja apresentada, mas se deixa conduzir por narrativas, mais especificamente por “frames” (enquadramentos) e metáforas.
Para Lakoff, metáforas são mais que um recurso linguístico para explicar ideias. Elas são a própria matéria-prima do pensamento e têm existência física no cérebro. A capacidade dos neurônios de conectar-se em redes ativadas por contiguidade semântica faz com que as palavras escolhidas tenham o dom de comunicar sentimentos. O uso de um termo negativo como “assassinato” desperta sensações desagradáveis que, mesmo que não nos demos conta, influenciam nossos posicionamentos.
Nesse esquema, o que diplomatas fazem é encontrar novos e mais palatáveis “frames” para embalar antigas disputas. Às vezes, funciona.
A metáfora da saúde, embora tenha perdido terreno no debate aqui, é poderosa. Foi ela que levou a Arábia Saudita, a mais rígida teocracia do planeta, a ter uma legislação de aborto mais liberal que a brasileira, ao admitir, ao menos no papel, que mulheres interrompam a gravidez para preservar sua saúde física ou mental.
Acesse em pdf: O poder da metáfora, por Hélio Schwartsman (Folha de S.Paulo – 14/03/2012)