(Agência de Notícias da Aids) Feito nessa segunda-feira (14) pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o anúncio de que o Ministério da Saúde passará a ofertar antirretrovirais para os pacientes adultos assim que for diagnosticada a infecção pelo HIV, não mais quando o CD4 (células de defesa) estiver abaixo de 500, virou assunto do dia entre especialistas e ativistas. Diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Fábio Mesquita disse que esse é um grande passo do Brasil rumo à meta preconizada pelo Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV/Aids (Unaids) de eliminar a doença até 2030. Pesquisador e professor da Universidade de São Paulo (USP), Mário Scheffer acha que a decisão só será um avanço se estiver conectada com os reais problemas da epidemia no Brasil.
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– Aberta a consulta pública sobre possibilidade de pacientes com HIV terem tratamento antecipado (Agência Brasil)
“A medida traz o que a ciência tem de mais avançado e impacta diretamente na morbidade, porque evita-se complicações clínicas, como a co-infecção. Na mortalidade, porque quanto mais cedo é iniciado o tratamento mais chances de evitar problemas. E na prevenção, porque derruba a carga viral e, assim, diminui a transmissão”, diz Fábio Mesquita. O diretor do Programa lembra que, em 2012, o Brasil registrou 12 mil mortes por HIV/aids. E 30% se deram pela co-infecção por tuberculose, a maior causa atual de mortalidade.
O Brasil é o terceiro país a adotar o início do tratamento logo no diagnóstico, independentemente do nível de CD4. Nos Estados Unidos e na França, o tratamento já é aplicado com sucesso, segundo Mesquita. ” Por aqui, a regra passará a ser adotada em novembro, com a publicação da portaria.”
“Não resta dúvida de que a decisão tem evidências científicas como comprovaram os outros países”, concorda Mário Scheffer, antes de alertar: “Mas não adianta começar mais cedo o tratamento se faltam ações para diminuir a alta taxa de diagnóstico tardio, se não forem tomadas medidas para resolver o caos da superlotação na rede de assistência e se for mantido o abandono de políticas para as populações vulneráveis, entre as quais a epidemia se concentra.”
Coordenadora do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, Maria Clara Gianna, assim como Scheffer, está preocupada com a demora no diagnóstico. “Os pacientes chegam ao serviço público com CD4 muito abaixo de 500”, diz ela, que é médica sanitarista. “Acho a medida importante, ela vai trazer benefícios, vai diminuir a transmissão, mas, para ser efetiva, tem de expandir o diagnóstico, fazendo com que ele chegue precocemente às populações vulneráveis.” Maria Clara também defende a maior organização dos serviços de atendimento visando a adesão ao tratamento, levando em conta que muitos pacientes abandonam os remédios ou deixam de tomá-los corretamente.
Eliana Battaggia Gutierrez, coordenadora do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo, se diz favorável à medida, especialmente por acreditar que a antecipação do tratamento trará um benefício coletivo. “As pessoas com carga viral indetectável transmitem menos o vírus HIV”, afirma. Mesmo assim, ela também pede atenção especial para a adesão e os efeitos colaterais. “As instituições, os pacientes e os médicos precisam ficar muito atentos a isso. Todos os medicamentos podem trazer benefícios, mas apresentam efeitos colaterais. Por isso, o médico tem de analisar caso a caso antes de iniciar o tratamento antirretroviral”, diz Eliana.
Coordenadora de Políticas Estratégicas da ONG Gestos, a jornalista Alessandra Nilo concorda com Eliana. Para ela, o paciente precisa ser informado de todos os efeitos colaterais que a droga pode causar. “Ter medicamento garantido para todos é medida importante e bem-vinda, mas o médico deve analisar caso a caso. Fico pensando como estará essa pessoa 15 anos depois de ter iniciado o tratamento.”
“Hoje, com a evolução dos medicamentos, cada vez mais temos menos efeitos colaterais”, diz Fábio Mesquita. “E, com certeza, os benefícios compensarão os riscos. Quem diz isso é a ciência, não sou eu.” Ele também acredita que a ampliação da oferta de remédios vá levar à melhoria de todos os serviços que envolvem a terapia antirretroviral. “Quanto mais gente em tratamento, mais conseguiremos entender e interferir para melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, defende ele.
Mesmo assim, a jornalista Alessandra Nilo teme que o governo esteja agindo precocemente ao anunciar a medida e pede que tudo seja feito com cautela. “Cada caso é um caso. Acho que o médico deve conversar com cada um e verificar se existe condições de adesão ao tratamento. Será que se o CD4 estiver bom não é possível esperar esse paciente se preparar para a medicação?”, ela pergunta.
O diretor da Associação Espaço de Prevenção e Atenção Humanizada (EPAH), José Araújo Lima, se diz a favor da implantação de novas tecnologias desde que as atuais funcionem. “Hoje, as pessoas esperam em média seis meses para a primeira consulta depois do diagnóstico e têm carga viral altíssima e CD4 baixo. Acredito que a antecipação do tratamento pode ser um salto na luta contra a aids, mas o resultado disso só vamos ver daqui três ou quatro anos. Por isso, precisamos garantir as tecnologias atuais funcionando bem”, diz Araújo.
Assim como Alessandra, Eliana e Maria Clara, ele destaca a importância de os médicos, desde o primeiro momento, orientar e esclarecer corretamente sobre os efeitos colaterais e garantir a adesão ao tratamento.