Em países em que o aborto é ilegal, 1 em cada 4 interrupções é feita com segurança; já em regiões com leis mais permissivas, 9 em cada 10 abortos são seguros.
(G1, 27/09/2017 – acesse aqui)
Do total estimado de abortos feitos entre 2010 e 2014 em todo o mundo (55,7 milhões), 45% foram realizados em condições inseguras, afirma estudo da Organização Mundial da Saúde e do Instituto Guttmacher, organização global de pesquisa sobre direitos reprodutivos. Foram 25,1 milhões de interrupções de gravidez inseguras, segundo o levantamento publicado no “Lancet” nesta quarta-feira (27), que analisa dados de 182 países.
Segundo a OMS, a maioria dos abortos inseguros (97%) foi realizado em regiões em desenvolvimento (África, Ásia e América Latina). Não há dados específicos sobre o Brasil, mas, na América Latina, apenas 1 em cada 4 abortos foram considerados seguros.
O estudo aponta que é comum na região que mulheres façam o aborto em casa; a maioria, diz a pesquisa, utiliza medicamentos.
Aborto seguro
A Organização Mundial da Saúde classifica como seguro o aborto feito com um profissional de saúde que seguiu todas as recomendações de segurança da instituição sobre abortamento – que inclui o uso de medicamentos, preferencialmente, e de métodos menos invasivos, como a dilatação.
Já os abortos inseguros, pela primeira vez foram divididos em dois: os abortos “menos seguros” (31%) e os abortos “ainda menos seguros” (14%).
Na primeira categoria (menos segura), a OMS enquadrou interrupções da gravidez realizadas por profissional de saúde, mas com método inseguro (com o uso de agulhas, por exemplo). Ainda nessa categoria, foram inclusas interrupções realizadas em casa, mas com método seguro (com medicamentos).
Na segunda categoria (ainda menos segura), estão os abortamentos feitos fora do sistema de saúde com métodos considerados inseguros (uso de ervas e introdução de objetos, por exemplo).
América Latina
Na América Latina, a maioria dos abortamentos foram considerados “menos seguros”, “refletindo a transição do uso de métodos perigosos para o uso de medicamentos”, aponta o estudo.
Abortos inseguros podem levar ao “aborto incompleto” (falha em remover todo o tecido da gravidez do útero), hemorragia, lesão vaginal, uterina e infecções. Segundo a OMS, as complicações foram mais altas em regiões com maiores índices de abortos feitos em condições inseguras.
Distorção de dados em regiões mais pobres
A equipe utilizou banco de dados de estudos clínicos regionais (na América Latina, por exemplo foi usado o SciELO) para estimar os abortos feitos em cada região. Também, em alguns casos, foram solicitados dados nacionais para os países analisados. Foram, ainda, utilizados banco de teses e estudos de ONGs independentes.
Com isso, os dados apresentados pela Organização Mundial da Saúde podem apresentar distorções — principalmente entre países em desenvolvimento que em sua maioria possuem leis mais restritivas e não coletam dados sobre abortamento oficialmente.
“Alguns dados foram particularmente difíceis de conseguir. Então, nossos achados são mais assertivos para regiões desenvolvidas, em que os dados são mais fortes e mais disponíveis”, diz ao G1, Bela Ganatra, pesquisadora do Departamento de Saúde Reprodutiva da Organização Mundial da Saúde, em Genova (Itália).
Leis mais restritivas geram abortos mais inseguros
Nos países onde o aborto é completamente proibido ou permitido apenas quando a saúde da mulher está em risco, apenas 1 em cada 4 abortos foram considerados seguros. Já em países em que o aborto é legal, 9 em 10 abortos foram feitos com segurança.
Um outro dado demonstrado no estudo é que a maioria dos abortos ocorridos na Europa e na América do Norte são considerados seguros. Curiosamente, essas são as regiões que apresentam as menores taxas de aborto, embora tenham leis mais permissivas.
Essas países também têm altas taxas de uso medicamentos anticoncepcionais, maiores níveis de igualdade de gênero e serviços de saúde de alta qualidade.
Melhora da segurança
Nos países em que o abortamento é feito em hospital, mas com métodos ultrapassados (com o uso de agulhas) — como é o caso do Leste Europeu — a OMS recomenda treinamento dos profissionais que realizam esse tipo de serviço para que eles se atualizem sobre os novos métodos.
Já nos países em que as leis são mais restritivas, a OMS indica o desenvolvimento de políticas de acesso para abortos seguros. “A análise mostrou uma relação positiva entre abortos seguros e leis menos restritivas”, apontaram os autores.
Métodos contraceptivos
Um outro ponto descrito no estudo é sobre a disponibilidade de métodos contraceptivos. A OMS diz que, embora eles sejam importantes para diminuir o número de abortos inseguros, eles devem ser disponibilizados em conjunto com a oferta de serviços que realizam o aborto dentro do sistema de saúde, de forma segura.
“Mesmo que pudéssemos atender a 100% da necessidade de contracepção (e ainda estamos longe disso!), isso ainda não será suficiente”, diz ao G1, Bela Ganatra.
“Os contraceptivos podem falhar e uma mulher pode engravidar em situações em que ela não é capaz de usar contracepção – como, por exemplo, durante a violência sexual, que é alta em muitas regiões”, diz.
Também o texto do artigo publicado no “Lancet”, divulgado oficialmente pela OMS, conclui ser essencial combinar as duas estratégias: “É essencial combinar a estratégia [de contracepção] com intervenções para garantir o acesso para ao aborto seguro. Ambas as estratégias são necessárias para eliminar o aborto inseguro e cumprir o compromisso global de de Desenvolvimento Sustentável do acesso universal à saúde sexual e reprodutiva”, concluem os autores.
Por Monique Oliveira, G1