(Folha de S.Paulo, 17/03/2016) De partida é prudente assinalar que não se trata de arrefecer o alerta em torno da epidemia do vírus da zika no Brasil. Um estudo pioneiro sobre o laço entre a infecção e a microcefalia publicado na revista médica “Lancet”, no entanto, contribui para diminuir certo alarmismo desatado pela moléstia aqui e no exterior.
Dados objetivos são bem-vindos para pôr na devida proporção temores e cautelas com doenças novas. Ganhou destaque um número que ajuda a prevenir pânico desnecessário: o risco de uma grávida infectada dar à luz criança com microcefalia é da ordem de 1%.
Para comparar: a infecção de gestante por citomegalovírus envolve 13% de possibilidade de o feto desenvolver a malformação. No caso de rubéola (erradicada nas Américas), é de ao menos 38%.
A cifra no artigo do “Lancet” se baseia em surto de zika ocorrido em 2013 e 2014 na Polinésia Francesa. Surgiu com a reavaliação dos registros médicos da época, que seguem padrões europeus; só se postulou o nexo entre essa arbovirose e a microcefalia durante a epidemia brasileira.
Nada garante, claro, que se mantenha a mesma proporção de 1% no Brasil. Fatores ambientais ou genéticos podem bem influenciar a prevalência da malformação. De todo modo, ao menos o público passa a dispor de uma referência na qual ancorar suas expectativas.
Embora pareça improvável que a taxa por aqui venha a divergir muito do que se apurou por lá, cabe ressaltar que alguns números anotados no Brasil –registrou-se suspeita de microcefalia em 2% de todos os nascimentos em Pernambuco– reforçam o imperativo de aprofundar estudos para estabelecer o padrão da doença no país.
Uma consequência previsível da quantificação de risco publicada será refrear o impulso de muitas mulheres a praticar abortos ilegais, após contraírem o vírus da zika, antes de constatada microcefalia. Em paralelo, devem enfraquecer-se também as vozes em defesa de autorização judicial para interromper gravidezes nesses casos.
Estima-se que haja no Brasil 2.400 casos de fetos e bebês com microcefalia causada pela zika. Não há como minimizar o drama que o número representa, mas tampouco se justifica conferir à epidemia uma dimensão que ela ainda não tem.
Acesse no site de origem: Números da zika (Folha de S.Paulo, 17/03/2016)