(Carta Capital, 26/01/2015) O Brasil é o país do mundo que mais realiza cesarianas. Entenda as novas medidas do governo para reverter o quadro e porque o parto normal é mais indicado
A Agência Nacional de Saúde divulgou na última semana as novas regras para a realização de partos no Brasil. O objetivo da ANS e do Ministério da Saúde é estimular a realização dos partos normais. Segundo Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o país onde mais se realizam cesáreas no mundo. Astaxas chegam a 84% no sistema privado e a 40% no SUS — o recomendado pela OMS é 15%. As novas regras geraram opiniões divergentes entre especialistas. Entenda melhor as recomendações e seus objetivos:
O que o governo quer com as novas medidas?
Reduzir o alto número de cesárias no Brasil, hoje o País onde mais se realizam cesarianas em todo o mundo. Segundo dados do Ministério da Saúde, na rede privada 84% dos partos são cesarianas. No SUS, o índice chega a 40%. A OMS recomenda 15%.
E como a nova resolução da ANS pode ajudar isso na prática?
O principal objetivo do governo é reduzir o número de cesárias. Para isso, a principal medida é reforçar a importância dos partogramas, documentos que detalham como foi o parto. A partir dele é possível saber quais eventuais complicações justificariam (ou não) as decisões tomadas pela equipe médica e obstétrica, e se as cesarianas efetuadas seriam de fato necessárias. Hoje o partograma é obrigatório no SUS, mas não é tratado com o rigor necessário pelos planos de saúde. A partir de agora, as operadoras dos planos de saúde só poderão realizar o pagamento dos procedimentos mediante a apresentação do partograma. Com a fiscalização e o fortalecimento de sua obrigatoriedade, os profissionais de saúde terão sempre que esperar a gestante entrar em trabalho de parto, desestimulando os nascimentos agendados — o que não é recomendável pela OMS.
Haverá ainda a divulgação do percentual de cesarianas por hospital, por médico e por operadora. O descumprimento da regra acarretará em multa de R$ 25 mil reais para a operadora do convênio. Esta medida deixará mais explícito o excesso de intervenções no Brasil, e dará mais elementos às gestantes que desejem um parto normal pelo plano de saúde.
Mas o partograma resolverá tudo?
Para a obstetra Cláudia de Azevedo, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, outras mudanças são necessárias para se garantir a redução do número de cesáreas no Brasil. Sem um preenchimento correto, por exemplo, o documento não ajuda a reduzir o número de intervenções desnecessárias. “O partograma pode ser burlado e preenchido retroativamente, no pós-parto. Ou seja, se não houver uma regulação ou auditoria séria, o documento se torna apenas mais um documento burocrático do prontuário da paciente”, argumenta. A medida do governo coloca em debate o modus operandi dos planos de saúde e abre caminho para uma melhor fiscalização e a consequente redução do número de cirurgias.
O que mais será feito?
Segundo a ANS e o Ministério da Saúde, outras medidas virão após uma consulta à sociedade civil para angariar mais sugestões de como reduzir o número de cirurgias no Brasil.
Qual o problema de se fazer uma cesárea?
A cesariana deveria ser uma cirurgia de emergência, utilizada apenas quando complicações impedissem o parto normal.
Então o parto normal é mais seguro?
Sim. Segundo um estudo da American Journal of Obstetrics and Ginecology, o número de óbitos maternos é 10 vezes maior em cesarianas que em partos normais. No caso dos bebês, a mortalidade infantil para nascidos em cesáreas é 11 vezes maior quando comparada aos nascidos em partos normais. Isso acontece porque a cesárea é uma intervenção cirúrgica e, como tal, envolve riscos. Além do mais, estudos apontam que bebês nascidos de parto normal têm menor propensão a doenças respiratórias, autoimunes e até obesidade.
É verdade que o agendamento da cesariana estimula partos prematuros?
Sim. É difícil calcular a data exata da concepção, e as cirurgias costumam ser agendadas para o mais breve possível, assim que a gravidez chega ao termo (na 38ª semana, quando o bebê está completamente formado). A imprecisão natural da data da concepção aliada à pressa em se fazer a cirurgia acaba fazendo com que a cesárea seja um dos principais causadores de partos prematuros no Brasil.
Quando um médico deve optar por uma cesariana?
A cesariana deve ser utilizada quando todos os meios para promover um parto normal forem esgotados. Isso acontece em gravidezes de risco ou em mulheres com algum problema prévio de saúde. Por exemplo: placenta prévia verdadeira (quando a placenta impede a passagem do bebê pelo canal do parto), ruptura uterina e descolamento precoce da placenta. Tais situações, contudo, são raras.
Fazer ou não uma cesárea não é um direito de escolha da mulher?
Segundo a pesquisa Nascer no Brasil, divulgada em setembro de 2014 e coordenada pela ENSP/Fiocruz, 28% das brasileiras desejam ter uma cesariana já no início de sua gestação. Esse resultado, contudo, merece uma ponderação. Os planos de saúde e os obstetras a eles vinculados vêm sistematicamente estimulando a fazer cesarianas. Criou-se uma “cultura da cesárea” no Brasil. Um dos efeitos desta iniciativa governamental é começar a equilibrar essa percepção, mas tal trabalho pode levar décadas.
Alguns argumentos utilizados pelos médicos para realizar cesarianas são “bebê sentado”, baixa dilatação, idade avançada ou “cordão umbilical enrolado no pescoço”. São justificativas verdadeiras?
Nenhuma dessas situações indica obrigatoriamente a necessidade de uma cesariana, depende de cada caso. Muitos bebês têm o cordão enrolado no pescoço durante o nascimento e isso não provoca queda de batimentos cardíacos ou qualquer outro problema para o bebê. Uma situação real de bebê “sentado” é mais rara, e depende de mais apuro para realizar um parto normal, pois exige uma manobra específica para que o bebê possa nascer sem a cirurgia. Fazer uma cesárea alegando baixa dilatação normalmente indica um trabalho de parto apressado, no qual a intervenção jurídica veio antes da hora. A idade avançada também não é um indicativo de debilidade da mulher, se a gestação ocorreu de maneira saudável, a idade não é impeditivo para o parto normal.
A formação dos profissionais está voltada para a cesariana?
Não. As escolas pregam o modelo do parto normal e ensinam que a cesariana é apenas para emergências. O problema é no dia-a-dia dos hospitais. Trabalhos de parto são longos, e a cesárea dura cerca de duas horas. E, para as seguradoras de saúde, quanto mais previsível e rápido for o parto, maior o lucro.
O Brasil tem condições de infraestrutura e profissionais suficientes para essas adaptações?
Sim. Um dos entraves ligados ao convênio médico é o atrelamento do obstetra a outros profissionais, como o anestesista. Este é um dos argumentos para o agendamento. Contudo, todos os procedimentos podem ser realizados por plantonistas presentes do hospital. Não é necessário que o parto seja realizado pelo mesmo médico que realizou o pré-natal, por exemplo.
O parto natural, em que as mulheres decidem dar à luz em casa, está ganhando força no Brasil e no mundo. Ele é seguro?
Ele é seguro quando a gestante está em perfeitas condições de saúde e foi assistida por toda a gravidez por uma equipe profissionais capacitados que assegurem suas condições de ter um bebê dessa forma. Ainda assim é necessária a montagem de um plano de emergência caso a gestante precise ser levada para um hospital para realizar alguma intervenção.
Como são os partos fora do Brasil?
Na maioria dos países da Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, o parto normal é a regra, e a cesariana é considerada um recurso de emergência, tanto pelos médicos como pela população e pela mídia. E o parto é quase sempre feito na rede pública, pela equipe de plantão que estiver no hospital no momento em que a gestante der entrada.
Paloma Rodrigues
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