(Universidade Livre Feminista) Entenda por que a Medida Provisória 557, de26 de dezembro de 2011, que instituiu o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna é inconstitucional, viola os direitos das mulheres, invade a nossa privacidade e não resolve o problema da mortalidade materna. É totalmente desnecessária. Tudo o que ela cria ou normatiza já existe no Ministério da Saúde. Queremos medidas efetivas para evitar as mortes maternas.
O governo não discutiu essa proposta e a necessidade de uma MP — nem na Conferência de Saúde, nem na Conferencia de Políticas para as Mulheres, realizadas poucos dias antes da edição da MP.
Mesmo no debate sobre o Orçamento 2012 e o Plano Plurianual 2012-2015 no Congresso essa proposta não foi explicitada para os parlamentares.
Desde que essa MP foi editada, várias críticas de ativistas dos movimentos de mulheres e feministas, do movimento sindical, de sanitaristas, juristas, médicos e defensores dos direitos humanos, de gente que preza os princípios e as práticas democráticas, foram formuladas e divulgadas.
Fizemos uma compilação dessas críticas que, resumidamente, apresentamos a seguir.
A MP 557 É INCONSTITUCIONAL
MP 557 – Art. 16. A Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: “CAPÍTULO VII – DO SUBSISTEMA DE ACOMPANHAMENTO DA GESTAÇÃO E DO TRABALHO DE PARTO, PARTO E PUERPÉRIO Art. 19-J. Os serviços de saúde públicos e privados ficam obrigados a garantir às gestantes e aos nascituros o direito ao pré-natal, parto, nascimento e puerpério seguros e humanizados.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou sobre a questão do nascituro, em maio de 2008, no julgamento histórico da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.510, que liberou a pesquisa com células-tronco embrionárias no Brasil. O nascituro não existe sem a mãe. Logo, ao se cuidar da mãe, está se cuidando dele. Não tem sentido dar-lhe personalidade civil, como tenta a MP 557.
A MP 557 fere a Constituição Federal ao alterar a Lei Orgânica da Saúde e acrescentar que o nascituro tem direito ao pré-natal. A Constituição Federal protege o direito a vida a partir do nascimento com vida e não desde a concepção.
A MP colide com a garantia do direito ao aborto previsto em lei para casos de risco de vida ou estupro, que está estabelecido no Artigo 128, II do Código Penal.
A MP estabelece uma nova ordem jurídica, inconstitucional, que desconsidera a mulher grávida como sujeito de direitos constitucionais e direitos humanos, respondendo a demanda de setores conservadores e anti direitos dentro e fora do governo.
A MP 557 É CONSERVADORA, ANTI-DIREITOS E FUNDAMENTALISTA
MP Art 7º. – II – cadastrar em sistema informatizado os dados de todas as gestantes e puérperas atendidas nos serviços do estabelecimento de saúde;
A opção por uma MP impede o debate democrático sobre o seu conteúdo. Os fundamentalistas, conservadores, anti-direitos nunca conseguiram que o Congresso Nacional aprovasse a lei da Bolsa-Estupro, nem para tornar equivalentes os direitos da mulher e do nascituro. Mas agora isso é lei, com essa medida provisória inspirada em projetos de lei como:
Cadastro gestante – PL 2504/2007 Walter Brito Neto – PRB-PB que cria o cadastro de TODAS gestantes e diz textualmente em sua justificativa: (…)“ o projeto visa, também, facilitar a produção de provas nos casos de aborto ilegal, pois o registro de gravidez tornará possível o colhimento de dados probatórios, com objetivo de identificar o agente ativo do aborto.”
Pergunta ao MS: se o cadastro é de gestantes de risco – isso é, aquelas que a) iniciaram pré-natal, o que nem todas farão; e b) têm um diagnóstico de risco, o que é uma minoria, Porque motivos precisa mudar a forma que está agora, e fazer uma MP para cadastrar TODAS as gestantes? Cadastrar todas as gestantes, independente do desfecho da gravidez, não é útil simplesmente para nada
Disk Aborto e Cadastro da Morte – PL 1618/2011 Roberto Britto PP/BA e PL 3183/2008 Takayama – PSC/PR – propõe que no Registro do óbito da mulher gestante, tenha a idade aproximada do feto.
Bolsa estupro, bolsa Gestante, Ajuda Transporte Gestante
PL 3748/2008 Sueli Vidigal PDT/ES que propoe no Art 1º. “Fica o Poder Executivo autorizado a pagar, mensalmente, pensão à mãe que mantenha, em sua companhia, a criança nascida de gravidez decorrente de estupro, até que complete 21 (vinte e um) anos de idade”
PL 1085/2011 Cleber Verde – PRB MA – dispõe sobre a assistência para a mulher vitima de estupro que vier a optar por realizar aborto legal.Um salário mínimo por 3 meses.
PL 797/2011 LAURIETE PSC/ES – Inclui nos programas sociais e financeiros do governo, programa especifico de apoio à mulher e a adolescente, nos casos de gravidez oriunda de estupro e nos casos de comprovada má formação do feto
PL 3481/2008 – Vanessa Grazziotin PCdoB/AM– sobre a gratuidade de transporte para gestante
Estatuto Nascituro – PL 478/2007 – Luiz Bassuma – PV/BA E Miguel Martini – PHS/MG Propõe em seu Art 8º. – “ao nascituro é assegurado, através do Sistema Único de Saúde – SUS, o atendimento em igualdade de condições com a criança” e PL 1763/2007 Jusmari Oliveira PR/BA, Henrique Afonso PV/AC e PL 489/2007 – Odair Cunha PT/MG
A MP 557 VIOLA OS DIREITOS DAS MULHERES E INVADE A NOSSA PRIVACIDADE
MP – Art. 2o O Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna é constituído pelo cadastramento universal das gestantes e puérperas, de forma a permitir a identificação de gestantes e puérperas de risco, a avaliação e o acompanhamento da atenção à saúde por elas recebida durante o pré-natal, parto e puerpério.
Na MP, a mulher é vista como um receptáculo para o desenvolvimento de um novo ser, violando o nosso direito à igualdade, liberdade, autonomia e a dignidade, negando-lhe o reconhecimento da liberdade de escolha, além de conter clara ponderação pró-feto.
A MP não define os usos das informações cadastradas como exclusivos, abrindo espaço para violação da privacidade e mesmo da liberdade profissional do médico.
O controle e vigilância da vida reprodutiva deve estar baseado em limites éticos. Na MP há uma ampliação do controle por parte do Estado na gravidez que passa a ser monitorada a partir da sua inscrição no cadastro.
O cadastro é realizado compulsoriamente pelo estabelecimento de saúde público ou privado, violando o direito a privacidade. Cadastramento universal de gestantes se consubstanciaria na verdade em cadastro compulsório, que: a) não traz garantia da confidencialidade dos dados manuseados no sistema; b) usa dados pessoais sem autorização da gestante ou puérpera, violando a intimidade, o sigilo de dados e a vida privada
A extensão da vigilância a que se refere o texto também não está clara, subentende-se que é epidemiológica, mas nada impede que se torne uma polícia administrativa sanitária, comunicando-se inclusive com o sistema de polícia e justiça.
A MP 557 NÃO RESOLVE O PROBLEMA DA MORTALIDADE MATERNA
O maior problema para a redução da mortalidade materna no Brasil não é ampliar o acesso das mulheres aos serviços de saúde, mas sim melhorar a qualidade da atenção prestada às mulheres nos serviços de saúde, hospitais e maternidades. Sobre isso há evidências científicas largamente disseminadas e conhecidas, inclusive pelo conjunto das agências do Sistema das Nações Unidas
A MP 557 em nenhum momento reconhece o atendimento ao abortamento inseguro como uma das principais causa da mortalidade materna no Brasil, nem muito menos busca soluções nesse sentido.
MP557 omite evolução diferenciada/prevalência de algumas doenças na população negra com repercussões na atenção obstétrica e o Ministério da Saúde não aplica as próprias normas de seu manual “Perspectiva da Eqüidade no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal – Atenção à Saúde das Mulheres Negras”, de 2005.
A MP 557 É DESNECESSÁRIA
POIS OS SISTEMAS, CADASTROS E COMITÊS QUE CRIA, JÁ EXISTEM
MP- Art. 1o Fica instituído o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna, no âmbito da Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher, coordenada e executada pelo Sistema Único de Saúde – SUS, com a finalidade de garantir a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade da atenção à saúde materna, notadamente nas gestações de risco.
O SUS dispõe de um sistema sofisticado de registro de informação, inclusive para acompanhamento específico do pré-natal, parto e puerpério, o SIS-Prenatal.
Desde 1997, o Conselho Nacional de Saúde aprovou resolução que torna a morte materna um evento de notificação compulsória no Brasil. Por problemas técnicos, essa norma só se efetivou, de fato, a partir de 2004, quando foi estabelecido o Pacto Nacional pela Redução da Morte Materna. Ou seja, as medidas propostas pela MP 557 duplicam o que já existe.
Já existem Leis, Normas Técnicas, Protocolos e Orientações de Serviço em vigência que contemplam todos os procedimentos de rotina, no âmbito das Unidades Básicas de Saúde, Hospitais e Maternidades necessários para o atendimento qualificado do pré-natal, parto e puerpério.
Para a Prevenção da Mortalidade Materna foram elaboradas estratégias e pactos, constituídos Comitês de Morte Materna (acordados entre especialistas e representantes da sociedade civil) em todas as esferas do SUS. Mas esses acordos só vão funcionar adequadamente (i) se a atenção a saúde for qualificada, (ii) se o racismo e outras formas de violência institucional vividas pelas mulheres forem combatidas, (iii) se as políticas e os orçamentos públicos estiverem orientados a garantir o direito de todas e cada uma das mulheres à saúde integral; (iv) se o direito das mulheres à vida for assegurado, tanto quando decidimos ter como quando resolvemos interromper uma gravidez.
MP – Art. 4o A gestão do Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna será realizada pelas seguintes instâncias: I – Comitê Gestor Nacional; e II – Comissões de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento das Gestantes e Puérperas de Risco.
Art. 7o Compete às Comissões de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento das Gestantes e Puérperas de Risco: I – informar a sua constituição ao Comitê Gestor Nacional e às Secretarias Estaduais, Distrital e Municipais de Saúde da unidade da federação em que estiverem situadas, e manter cadastro atualizado da sua composição;
A MP cria duplicidade e insegurança quanto à situação jurídica das Comissões de Prevenção à Mortalidade Materna em virtude do novo sistema proposto. O Ministério da Saúde diz que as comissões de prevenção à mortalidade materna permanecem, mas não explica como estas se inserem na nova política – a substituição/extinção das Comissões ou dos Comitês de Prevenção à Mortalidade Materna em virtude da criação das comissões de cadastro, vigilância e acompanhamento de gestantes e puérperas de risco.
Art. 6o Os estabelecimentos de saúde, públicos e privados, conveniados ou não ao SUS, que realizem acompanhamento pré-natal, assistência ao parto e puerpério deverão instituir Comissões de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento de Gestantes e Puérperas de Risco. Parágrafo único. As Comissões de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento das Gestantes e Puérperas de Risco deverão ser presididas pelo responsável técnico do estabelecimento de saúde.
Este artigo 6º deixa “a raposa tomando conta do galinheiro”, afinal encarrega O próprio responsável técnico do estabelecimento de saúde onde ocorreu a morte materna de fazer a investigação do óbito!
Art. 10. Fica a União autorizada a conceder benefício financeiro no valor de até R$ 50,00 (cinquenta reais) para gestantes cadastradas no Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna, com o objetivo de auxiliar o seu deslocamento e seu acesso às ações e aos serviços de saúde relativos ao acompanhamento do pré-natal e assistência ao parto prestados pelo SUS, nos termos de regulamento. —– Art. 13. Fica atribuída à Caixa Econômica Federal a função de atuar como agente responsável pela execução do repasse dos benefícios financeiros de que trata o art. 10, mediante remuneração e condições a serem pactuadas com o Poder Executivo.
A MP 557 CONCEDE AUXÍLIO QUE JÁ ESTÁ NA LEI DO BOLSA FAMÍLIA
A LEI No10.836, DE 9 DE JANEIRO DE 2004 que criou o Bolsa Familia diz em seu Art. 3º A concessão dos benefícios dependerá do cumprimento, no que couber, de condicionalidades relativas ao exame pré-natal, ao acompanhamento nutricional, ao acompanhamento de saúde, à freqüência escolar de 85% (oitenta e cinco por cento) em estabelecimento de ensino regular, sem prejuízo de outras previstas em regulamento.
O DECRETO Nº 5.209 DE 17 DE SETEMBRO DE 2004 que regulamentou o Bolsa Família, em seu Art. 19 estabelece que: Constituem benefícios financeiros do Programa Bolsa Família: II – benefício variável, no valor mensal de R$ 32,00 (trinta e dois reais) por beneficiário, até o limite de R$ 160,00 (cento e sessenta reais) por família, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua composição: a) gestantes; b) nutrizes; c) crianças entre zero e doze anos; ou (Redação dada pelo Decreto nº 7.494, de 2011) § 1o Para fins do Programa Bolsa Família, a Secretaria Nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome regulamentará a concessão de benefícios variáveis à gestante e à nutriz, visando disciplinar as regras necessárias à operacionalização continuada desse benefício variável. DECRETO Nº 7.494, DE 2 DE JUNHO DE 2011.
Tem ainda a condicionalidade do BFna área da saúde para gestantes e nutrizes:
Inscrever-se no pré-natal e comparecer às consultas na unidade de saúde mais próxima da residência, portando o cartão da gestante, de acordo com o calendário mínimo do Ministério da Saúde;Fonte:http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/bolsa-familia/condicionalidades/beneficiario/codicionalidades
A MP 557 DESRESPEITA OS ACORDOS INTERNACIONAIS
O respeito às Metas do Milênio não pode ignorar os outros compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da própria ONU e em outros acordos internacionais. Especialmente no que diz respeito à Conferência sobre População e Desenvolvimento, Cairo/1994, onde há orientações claras sobre os conceitos relacionados à saúde e direitos reprodutivos, completamente violados por essa MP.
LINKS PARA ENTENDER MELHOR A MP 557
Argumentos pela retirada da MP e a favor dos Direitos Sexuais e da Saúde Reprodutiva das Mulheres
http://www.viomundo.com.br/politica/maria-jose-rosado-o-que-e-isso-presidenta.html
http://blogueirasfeministas.com/2012/01/o-trofeu-final-nosso-utero/
Acesse em pdf: Entenda por que a MP 557 viola os direitos das mulheres (Universidade Livre Feminista – 25/01/2012)