(Marina Pita/Agência Patrícia Galvão, 07/07/2016) Número alto de crianças sem cabeça menor que o padrão, mas com lesões no sistema nervoso, indica necessidade de ampliação de critério de notificação
O tamanho menor do perímetro cefálico em bebês não deve mais ser usado como principal critério para a notificação de suspeita de síndrome congênita do zika. A confirmação vem após a publicação esta semana, na revista The Lancet, de pesquisa com análise de dados e resultados de exames de 1.501 recém-nascidos, considerada a mais ampla já feita, que indica que 20% das crianças com lesão cerebral provocada pelo vírus da zika tem perímetro cefálico normal.
“Como algumas crianças com a doença não têm microcefalia, o protocolo deverá ser modificado, incluindo outras medidas”, afirma Fernando Barros, epidemiologista e professor da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e um dos autores do levantamento.
“Como somente a medida do perímetro cefálico não é suficiente, outros testes serão necessários, incluindo exames sorológicos e o uso mais frequente de exames de imagem”, detalha Barros.
Em outubro, o Ministério da Saúde decidiu inicialmente adotar o critério de 33 cm para identificar casos suspeitos de microcefalia. Com isso, bebês que tinham perímetro cefálico igual ou menor do que essa medida entraram na lista de notificações e passaram a ser investigados. Meses depois, o critério foi alterado, passando a 32 cm e, em seguida, para igual ou menor que 31,9 cm, no caso de meninos, e menor ou igual a 31,5 cm, no caso de meninas.
Não há período seguro para contrair zika na gestação
Segundo o epidemiologista Fernando Barros, os casos de lesão cerebral diagnosticada por imagem em recém-nascidos sem microcefalia são, em geral, de mães que relataram exantemas, ou manchas vermelhas no corpo, durante o terceiro trimestre da gravidez. Por isso, é preciso desconstruir a ideia, não só entre especialistas, mas também na população, de que o vírus zika só causa má formação em bebês se contraído no início da gestação.
“Há uma indicação muito forte de que o vírus pode causar lesão cerebral mesmo após o primeiro trimestre. Qualquer ideia diferente desta deve ser abandonada”, afirma Fernando Barros.
A pesquisa aponta também a importância da notificação das mulheres grávidas com suspeita de infecção por zika.
Microcefalia não é doença
“A microcefalia não é doença, mas um sinal, que se exterioriza e para o qual existem inúmeras causas. E se exterioriza porque o cérebro não cresce, ou porque cresceu e, de uma hora para outra, ele foi afetado por algo e parou de crescer”, explica a neuropediatra Ana Van Der Linden, uma das primeiras a identificar o aumento no número de crianças nascidas com o sinal e que deu o alerta para o poder público avançar nas investigações.
Os médicos brasileiros, incluindo Van Der Linden, insistem, desde o início da epidemia, que é preciso falar em síndrome congênita do zika e não simplesmente em microcefalia.
“Microcefalia é um termo completamente inadequado para usar no caso da síndrome do zika congênita”, afirma o geneticista e especialista em medicina fetal Thomaz Gollop, professor da Universidade de São Paulo (USP).
O uso equivocado do termo microcefalia faz com que sejam feitas comparações entre doenças completamente diferentes. O quadro clínico da síndrome do zika congênita é muito diversificado. Além da microcefalia estão sendo identificadas calcificações intracranianas, dilatação do sistema nervoso central, acentuada lesão do córtex cerebral, alterações oftalmológicas graves, lesões graves no globo ocular, além de articulações rígidas e dobras no couro cabeludo.
Apenas no início de junho a Organização Mundial da Saúde (OMS) admitiu que a infecção por zika em mulheres grávidas pode resultar em uma nova síndrome congênita em crianças.