(O Globo, 23/08/2016) Quarenta e cinco bebês do sertão da Paraíba e uma só história, sem final feliz. Uma história que revela a progressão da devastação causada pelo vírus zika no cérebro. Do início da gravidez ao nascimento, a destruição foi acompanhada por exames de imagens, analisados por cientistas brasileiros e americanos. O resultado é uma espécie de retrato da doença, um instrumento que pode ajudar médicos a diagnosticarem uma variedade imensa de alterações cerebrais, das quais a microcefalia é apenas a mais conhecida.
Publicado na revista médica “Radiology”, o estudo é o maior já realizado com imagens de anomalias causadas pelo vírus zika no cérebro em formação. O trabalho teve à frente a radiologista Fernanda Tovar-Moll, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora do Instituto D’Or de Pesquisa e Educação.
Os bebês e suas mães foram atendidos por um dos hospitais do Brasil que mais recebem casos de más-formações cerebrais associadas à zika, o Instituto de Pesquisa Professor Joaquim de Amorim Neto (Ipesq), de Campina Grande, na Paraíba. Chegam à unidade muitas gestantes de cidades pobres do sertão paraibano, uma das regiões com maior número de casos de bebês infectados pela doença.
Testes laboratoriais confirmaram que 17 das mães atendidas no Ipesq contraíram zika na gestação. Outras 28 tiveram apenas a confirmação clínica. Todos os bebês nasceram com alterações cerebrais graves, e três morreram poucos dias após o nascimento. Entre as crianças acompanhadas há duas gêmeas, afetadas em graus diferentes pela doença.
— A primeira coisa que chamou a atenção foi a gravidade das lesões. O vírus zika prejudica processos essenciais de desenvolvimento do cérebro. Algumas dessas crianças, as que morreram, não tinham propriamente um cérebro, apenas tecidos residuais. Também sabemos que, quanto mais cedo ocorre a infecção durante a gestação, piores são os danos — disse Fernanda.
A área mais afetada
Outro ponto que alarmou os cientistas foi o fato de a infecção por zika deixar marcas muito específicas numa das áreas mais importantes do cérebro dos bebês.
— Quase 100% dos bebês tinham calcificações (cicatrizes) na região de fronteira entre as substâncias branca e cinzenta. Isso pode estar relacionada à forma como o vírus ataca o cérebro. A marca é muito evidente e diferente da deixada por outras infecções, como a de citomegalovírus — afirmou Fernanda.
As crianças infectadas que não apresentaram essa característica eram justamente as que praticamente não tinham cérebro. Fernanda e a pesquisadora americana Deborah Levine, da Universidade de Harvard, coautora do estudo, concluíram que a microcefalia não é o único problema grave causado pela zika.
— Há bebês com perímetro cefálico normal, praticamente sem cérebro ou com má-formação em variados graus. O diagnóstico é muito mais complexo do que apenas medir o crânio — frisou Fernanda.
A infecção pelo vírus zika é capaz de comprometer praticamente todas as funções do cérebro, da fala ao movimento, da audição à cognição e à memória. As pesquisadoras alertaram que mesmo bebês nascidos sem lesões aparentes, mas cujas mães tiveram sintomas de zika, devem ser acompanhados. Algumas lesões menos evidentes em exames podem comprometer, por exemplo, a capacidade raciocínio e a linguagem.
O estudo terá continuidade com análises de mais casos da Paraíba. O Ipesq vem atendendo 212 gestantes. Uma pesquisa semelhante é realizada no Estado do Rio, onde 40 crianças estão sendo acompanhadas.
Acesse no site de origem: Paraíba faz mapa do zika vírus no cérebro de bebês (O Globo, 23/08/2016)